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Pesquisadora fala em mudar a BR-163 de vetor de desmatamento para área de inovação

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Regularização fundiária e políticas de desenvolvimento dos pequenos produtores e mercados locais são a porta de entrada para um desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente sustentável na região da BR-163. Essa é a principal conclusão da pesquisadora Neli Aparecida de Mello, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília.

Juntamente com pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola (Embrapa), do Centre de Coopération Internacionale en Recherche Agronomique pour le Dévéloppement (Cirad) e da Universidade de Rennes, Neli passou três anos investigando a dinâmica de desenvolvimento econômico e populacional da região de influência da rodovia Cuiabá-Santarém.

“O que me impressionou é a dificuldade imensa de ligar as pessoas pela estrada. A imagem mais forte é a dificuldade das pessoas saírem e chegarem nessas regiões”, afirma Neli, na entrevista concedida à Estação Vida. No estudo, os pesquisadores constataram o que não é novidade para quem vive na região: há uma total ausência do Estado em suas diversas esferas. “É o caos total, uma terra onde manda o mais forte – em todos os sentidos, não só no poder econômico”, afirma.

Mas Neli acredita que há solução: é preciso que as políticas públicas e legislações que já existem saiam do papel e sejam executadas de forma coordenada entre União, Estados, municípios e sociedade. “É contraditório você ver imigrantes de todos os cantos do Brasil vindo para esta região na expectativa de realizar um sonho. Esse sonho individual precisa se transformar em sonho coletivo”, reflete. O estudo Impacto do projeto de Asfaltamento da BR-163: perspectivas da sociedade e do setor produtivo agrícola ao longo do eixo da Cuiabá-Santarém foi concluído em junho deste ano.

Estação Vida – O cenário da BR-163 parece confrontar o agronegócio exportador com a economia extrativista e de subsistência. Há solução para este conflito?

Neli Aparecida de Mello – A solução é ter políticas públicas muito claras para a região, de valorização dos pequenos produtores, das comunidades tradicionais. Toda essa parte não tem uma política especifica de incentivos. Este é o grande problema. Nós temos um fortalecimento do agronegócio – que é o carro chefe brasileiro – mas tem um conjunto de facilidades colocadas à disposição do agronegócio, como pesquisas e financiamento de equipamentos, que também são necessários para os pequenos e não chegam lá. Há três anos tivemos uma linha específica de crédito para de financiamento de todo maquinário destinada ao agronegócio e não temos esse tipo de política para os pequenos. Tem conflito? Muito. Tem saída? Sim, deixar muito claro até onde pode ir cada um. O que temos pros pequenos? Tem o Pronaf, mas não há uma linha de incentivo de pesquisas diferenciadas, por exemplo. A tecnologia adotada na pequena propriedade é na base da tentativa e erro.

EV – Como seria esse limite?

Neli – No caso do agronegócio, é preciso ter algumas restrições sobre a expansão da fronteira agrícola. Se tivéssemos uma política de uso de terras já abandonadas e degradadas, estaríamos voltando atrás dessa frente de expansão, que está indo via floresta amazônica. Além disso, é preciso melhorar os mecanismos de regulação da propriedade fundiária. Teríamos que pensar em outros limites. A questão fundiária por exemplo: há muita terá publica devoluta e isso facilita a posse indevida, a grilagem. A regularização fundiária é vital, mas com condicionantes, como limites ao tamanho da propriedade. Para o pequeno, nas concessões de assentamento, encontrar uma forma alternativa de acesso à propriedade. E isso tinha que estar sendo feito já há algum tempo. Desde o começo do governo Lula, somente a expectativa da pavimentação fez mais que triplicar o valor da terra, principalmente nos municípios a 50 km de cada lado da rodovia. E o mesmo está acontecendo com a BR-319 (Porto Velho-Manaus).

EV – É possível delinear que modelo sócio-econômico é o mais adequado para a área de influência da BR-163?

Neli – A primeira coisa é fazer valer fortemente a política ambiental federal, seguida da dos estados e municípios. Hoje muitos municípios da região trabalham isso, mas somente com a política ambiental educativa, que dá resultados para daqui a 20 anos, mas a soja está aí agora. Havia nos governos anteriores, tanto no Mato Grosso quanto no Pará, políticas de licenciamento de propriedades agrícolas que eram um avanço no sentido de se colocar limitantes e condicionantes. O governo Blairo Maggi conseguiu desestruturar isso por completo, e a Operação Curupira mostrou o lado frágil da União também. Então o que se tem é um setor ambiental completamente desestruturado. Você não pode dizer para as pessoas que vivem nessa região que elas não podem jamais ter acesso a uma boa rodovia, mas qual e o grande desafio? Fazer com que ela, na medida que adentre na Amazônia, comece a cumprir outro papel que não seja o de vetor do desmatamento.

EV – Como você avalia o Plano BR-163 Sustentável, elaborado pelo grupo interministerial no governo federal?

Neli – Era interessante o que estava previsto como ação imediata – que era justamente a regularização fundiária, porque sem isso, o que acontece é que o pequeno vai sair das margens da rodovia e há uma concentração da propriedade. O plano tem coisas muito boas, algumas mais difíceis de executar, mas é proposta era nova, o desafio é novo, e isso significa de fato acompanhar a execução das políticas no sentido de fiscalizar procedimentos e incentivar novidades no processo – o que não está acontecendo.

EV – O estudo propõe a criação de uma coordenação regional com as várias esferas e agências de governo presentes na região. Como operacionalizar isso?

Neli – Isso é uma dificuldade, mas tem que ser feito: mudar a rodovia de vetor de desmatamento para área de inovação. Mas para isso, um conjunto de atores tem que estar reunido em um local, numa coordenação regional que garanta a presença de União, do Estado, do município, do ator privado, da participação popular de modo geral, em seus diversos segmentos. Uma idéia seria algo parecido com os conselhos estaduais e municipais que já existem, mas com poder deliberativo e não apenas consultivo. Em sendo deliberativo, teria que ter força no sentido de dizer “os órgãos que estão aqui envolvidos têm que tomar como prioridade as seguintes ações”, e então deliberar e coordenar as ações – não fazê-las, não é criar mais um organismo entre tantos, cada órgão reunido teria a responsabilidade de executar o que fosse decidido por essa coordenação.

EV – Como o Brasil pode se firmar com soberania frente à economia internacional: através de commodities agrícolas como a soja, ou de produtos com apelo regional como o babaçu e a castanha?

Neli – Dá para pensar, primeiro de tudo, em coexistência. De um lado, são as commodities que asseguram o grande PIB do Brasil – e isso não pode ser simplesmente deixado de lado. Mas se poderia investir em decisões como valorizar a não genticamente modificada – que vai apresentar um custo maior e os países compradores teriam que garantir um valor maior de compra para isso. Mas é um modelo que não pode ser infinito, por exemplo, a soja não pode expandir em área de floresta e é preciso incentivar a reutilização de áreas que já foram abandonadas. Em função disso, o Brasil fazer uma propaganda internacional mostrando que não estamos mais avançando em direção à floresta mas recuperando área perdidas e voltando o modelo para a preservação. O próprio agronegócio já faz isso, a Cargil, por exemplo, investe em propaganda nesse sentido.

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