Desde que nasci, em 1940, nunca testemunhei tanto radicalismo como agora. Um radicalismo ainda latente, embora com algumas demonstrações que revelam sua intensidade. Como um vulcão ativo, que volta e meia emite fumaça, só para mostrar que está muito quente. Vejo hoje nas manifestações de rua. Dos dois lados e percebe nas redes sociais. Num gráfico isso seria mostrado como uma ferradura: os dois extremos estão mais próximos entre si – embora opostos – que ambos em relação ao centro.
Vê-se isso nas agressões – sempre a covardia do celular gravando, para usar contra o agredido qualquer reação defensiva dele – nos aeroportos, nas ruas, numa atitude raivosa, cheia de adjetivos, sem argumentos racionais. O ex-presidente da República, com prisão decretada, não aproveitou a oportunidade para jogar água na fervura, mas agiu jogando gasolina na fogueira de seus seguidores, menosprezando a lei e as instituições – que são a espinha dorsal da estabilidade e do sistema democrático. Entre tapas, tiros, socos e pauladas é que os dois grupos discutem suas posições. Em vésperas de eleições gerais, esse vulcão corre o risco de entrar em erupção.
O país acabou dividido em mortadelas e coxinhas, em trabalhadores e exploradores, em pobres e ricos – dividiu-se o Brasil até por cor da pele e por preferências sexuais. Tudo mostra que não aprendemos com a História, com tempos recentes em que houve divisões entre arianos e judeus, burgueses e proletários, bolivarianos e imperialistas. Divisões que lembram Hitler, Stálin, Fidel, Chavez – regimes sem liberdade. E agora estamos, por aqui, divididos entre nós e eles. O nós sempre é o bem e o eles é o mal – sejam quais forem as cores. Caminhamos para o desafio, por causa de uma lei física: a toda ação corresponde uma reação em sentido oposto. E a resultante é que podem anular a democracia.
Mais do que nunca é o momento de apostar nas instituições, ainda que algumas estejam carcomidas e enfraquecidas pela corrupção – o sinal mais evidente disso é a condenação e prisão de um ex-presidente da República, não por crime político, como acontece nos regimes de exceção, mas por crime comum. Há tempo que saímos das regras da normalidade democrática; invasões e depredações sem reação da lei; enfraquecimento das leis penais, cada vez mais lenientes com o criminoso; Justiça demorada e eivada de recursos protelatórios, fortalecendo a impunidade; desmoronamento das regras de civilidade, de convívio urbano, de honestidade, de princípios éticos. O país parece um boneco de areia, que vai perdendo a umidade que agrega seus grãos; vai secando com um vento maldito e erodindo e perdendo a forma. Fica a impressão de que nada foi ao acaso, como se houvesse uma inteligência inimiga planejando ocupar depois de ter invadido e tomado os órgãos mais sensíveis. Que essa suposição seja apenas um pesadelo e que acordemos rápido.