O dia em que João Arcanjo Ribeiro chegará a Cuiabá – vindo de Montevidéu, onde foi capturado em abril de 2003, por força da extradição autorizada pela Suprema Corte do Uruguai – ainda ninguém sabe. O juiz federal Julier Sebastião da Silva, da 1ª Vara da Justiça Federal, disse nesta quinta-feira que pode ser a qualquer momento até domingo. Policiais federais e autoridades brasileiras já estão na capital uruguaia tratando da remoção. Enquanto isso, o magistrado – apontado como um dos pilares da operação que destronou o crime organizado no Estado – estuda uma estratégia de fazer o acusado a sair do silêncio. E uma das estratégias será a redução de pena em troca da chamada “delação premiada”.
O juiz Julier Sebastião e o Ministério Público Federal, especialmente o procurador José Pedro Taques, agora em São Paulo – um dos responsáveis diretos pelas investigações que levaram o Judiciário a decretar prisões, quebrar o “jogo do bicho” e intervir na jogatina das máquinas caça-níqueis – estão convencidos de que Arcanjo pode contribuir muito com uma assepsia das instituições. Até aqui, grande parte dos crimes fiscais, tributários e contra a ordem econômica, como lavagem de dinheiro e até financiamento de campanhas eleitorais passavam pelo então próspero empresário.
Por poucos crimes, Arcanjo já acumula 37 anos de prisão. Se fizer bem os cálculos e ajudar a justiça poderá ganhar liberdade com bem menos tempo. Se mantiver o silêncio, a exemplo do que aconteceu quando o magistrado e o procurador da República estiveram em Montevidéu para ouvi-lo, a situação pode se complicar ainda mais. Uma rápida busca no site da Justiça Federal em Mato Grosso mostrou que o nome de João Arcanjo Ribeiro e suas empresas de factoring aparecem em 15 processos.
A “delação premiada” é considerada a arma mais poderosa contra o crime organizado em alguns países. Essa modalidade de confissão ou arrependimento, por exemplo, foi considerado fundamental para acabar com a “máfia” na Itália. No Brasil, porém, alguns estudiosos observarem que a legislação brasileira admite apenas a possibilidade de o juiz, ao término da ação penal, diminuir a pena do acusado delator ou conceder-lhe perdão judicial, sem qualquer participação de membros do Ministério Público. Em outras palavras, trata-se de uma “mera discricionariedade judicial”, no caso do interesse do magistrado.
Em verdade, qualquer coisa que Arcanjo disser será lucro líquido para as investigações. Há, efetivamente, duas vertentes no comportamento que ele adotar ao se “instalar” preso em solo brasileiro: a primeira é que se ele falar tudo que sabe poderá envolver uma interminável lista de gente de influência empresarial e política do Estado. Por exemplo: um dos crimes de maior repercussão foi o assassinato do empresário Sávio Brandão, que, entre outros empreendimentos, era dono do jornal “Folha do Estado”. O crime de mando se prende no fato de o veículo de comunicação estampar constantemente acusações contra Arcanjo. Porém, fala-se que matar Brandão era imprescindível diante de provas que estariam prontas para ganhar as páginas de jornais. Se mantiver o silêncio, muitas coisas ficam sem ser esclarecidas.
A rigor, Arcanjo pode ser comparado a um “buraco negro” no universo, cujo glosário de envolvimento em crimes e irregularidades. Além de mortes, crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro através de factorings, sobra para ele ainda acusações de envolvimento até com o narcotráfico. O “líder mafioso”, como foi tratado na imprensa do Uruguai, dispunha de um patrimônio avaliado em US$ 500 milhões. A fortuna é composta de fazendas, empresas, ações, títulos de crédito, um avião Cessna, um hotel de luxo em Miami e cerca de 16 milhões de dólares depositados em bancos do Brasil, Uruguai, Estados Unidos, Suíça e Ilhas Caimã.