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Vigiar e punir!

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No magistério de Michel Foucaut em seu ensaio “Vigiar e Punir”, a síntese do conhecimento e de domínio do sistema punitivo estabelecem a microfísica do poder, a tática repressiva das classes dominantes. E é nessa conjuntura, na relação entre conhecimento e poder, que ele encontrou a máxima: o poder produz o conhecimento que legitima e reproduz o poder. Assim, vamos aproveitar o contexto da crise atual para enquadrar as classes dominantes em seus próprios instrumentos de opressão.
E a atual crise financeira mundial trás, em seu bojo, essa grande oportunidade de aprendizado sobre a complexidade das estruturas montadas para o desenvolvimento da sociedade e seus necessários mecanismos de controle.

No epicentro deste tsunâmi financeiro globalizado está a total falta de controle por parte das instituições financeiras oficiais mundiais sobre as instituições financeiras privadas. Sem nenhuma fiscalização e controle, instituições financeiras privadas, principalmente as americanas, na ânsia pelo lucro fácil e sem tomar as devidas precauções, emprestaram, quase que sem garantias, vultosos valores ao setor imobiliário americano e que, decorrência desse descontrole e falta de fiscalização, demonstrou, em 15 anos de pândega de crédito fácil, suas fragilidades através da insolvência de grande número de mutuários desses empréstimos, inviabilizando, por completo, muitas dessas instituições que se utilizavam do dinheiro alheio para essa farra tresloucada.

Ora, será que essas instituições privadas, através de seus dirigentes, não sabiam dos riscos embutidos nessas transações? Se sabiam, por que continuaram emprestando?
Quase não vi nos veículos de comunicação a preocupação com essa questão. Noticiam sem parar os efeitos da crise, as várias formas de amenizá-la, mas nada acerca da responsabilização dos agentes causadores, os banqueiros, que normalmente financiam esses mesmos veículos que vem omitindo dados sobre essa necessária responsabilização.
Mas será que existem mesmo formas eficazes de controlar o sistema financeiro privado? Como as instituições financeiras oficiais podem fiscalizar milhões de operações de empréstimos e suas garantias? Impossível. E o diabo é que a maior parte dinheiro emprestado não é dos banqueiros e sim dos clientes desses bancos que confiaram que seus depósitos estariam seguros nessas instituições, com a garantia dada pelos sistemas financeiros oficiais que não exigiram o mínimo necessário de retenção desses depósitos, deixando a tarefa somente aos banqueiros, e aí, deu no que deu!
E é nessa quadra que mora o problema para o Brasil, por conta de muitos outros fatores, dentre os quais o controle da inflação, vinha-se exigindo dos bancos o tal depósito compulsório e que também servia de garantia de que o dinheiro deixado nos bancos brasileiros estava seguro. Mas e agora? Com a liberação cada vez maior desses compulsórios, quem garante que os bancos brasileiros não irão fazer a mesma farra que fizeram a maioria dos bancos americanos, europeus e asiáticos? Será que não estamos apenas repetindo o erro? Com a palavra os economistas.
Mas fica claro que a solução estaria, não na fiscalização e controle simples dos empréstimos, mas sim na governança do volume e propriedade dos recursos a serem emprestados e também na responsabilização mais severa dos agentes financeiros; pois alguém aí acha que essa crise existiria se os recursos emprestados fossem apenas dos banqueiros? E ainda, se eles tivessem a certeza de que seriam punidos severamente? Duvido muito.
Mas esse descontrole e falta de fiscalização não é privilégio do setor financeiro, pois temos muitos outros exemplos dessa quase impossibilidade de controle em diversos e distintos setores da nossa sociedade atual e vou citar apenas dois que nos atingem agora e impactará também as futuras gerações, se não tomarmos providências urgentes.
O controle dos gastos públicos é um exemplo clássico. Temos no Brasil milhares de instituições públicas nos três poderes e seus respectivos níveis. São mais 5.500 municípios, 27 estados e a união, se reunidos, são milhões de servidores, todos gastando dinheiro público, mas nem todos com a lisura necessária! E como controlar e fiscalizar tudo isso? Não é simples. Polícias, Ministérios Públicos, Tribunais de Constas, Controladorias tem se desdobrado e conseguem muito pouco diante do mar de corrupção que inundou nosso país.
Mas lembrando do sistema financeiro, não há como fiscalizar todas as operações e contratações do serviço público, mas se pode, ao menos, aumentando a fiscalização e o controle estatístico/probabilístico, estabelecer metas com limites de gastos relativos ao total de bens e serviços produzidos no país e aumentar as penas previstas para os responsáveis pelos eventuais desvios. Na prática, se deveriam estabelecer parâmetros e indicadores mínimos como: quantos policiais, médicos, enfermeiros, professores, etc., por mil habitantes e qual o percentual limite de gastos previstos para isso e assim por diante… Punindo de forma mais severa quanto mais severos forem os prejuízos ao erário. Isso dá pano pra manga e seria assunto para várias monografias.
Mas a ganância não pára só na farra com o dinheiro alheio, público ou privado, existe também a farra da gestão ambiental que, principalmente em Mato Grosso, tem rendido muito mais que as duas farras anteriores somadas.
Também na questão ambiental, não pode a legislação deixar tudo por conta do controle e fiscalização dos órgãos oficiais. Há que se estabelecer limites mais rígidos e mais claros para o uso dos recursos naturais renováveis. Embora essa tenha sido uma tendência, ultimamente, forças estranhas e descomprometidas com o meio ambiente tem tentado eliminar os poucos limites já conquistados, trago para corroborar essa afirmativa o estranho movimento para diminuir o tamanho da reserva legal na Amazônia que hoje é de 80% e ainda o aumento do prazo para exploração dos Planos de Manejo Florestal Sustentáveis (PMFS’s). Tudo isso soa muito estranho aos ouvidos daqueles que realmente se preocupam com a saúde do planeta. Então, como fiscalizar e controlar a utilização sustentável de milhões e milhões de hectares da floresta amazônica? Mesmo contando com os mais modernos mecanismos de fiscalização atuais e futuros, se não houver limites, sempre, os órgãos oficiais chegarão depois do dano, que muitas vezes é irreversível.

Concretizando mais a exposição: a principal fonte legal de matéria prima florestal em Mato Grosso são os PMFS´s aprovados, que já passam de mil, e que pela complexidade das técnicas utilizadas, torna impossível que todos esses PMFS’s sejam fiscalizados e controlados pelos órgãos ambientais oficiais que, atualmente, não conseguem se entender nem mesmo nos aspectos mínimos da gestão compartilhada, quanto mais na condução segura desse processo de exploração, que é o sustentáculo da extração madeireira no estado.
E, como nos outros dois casos trazidos aqui, a solução não está só na fiscalização e controle, está no estabelecimento de limites mais rígidos para esse tipo de exploração e, também, na punição mais severa dos responsáveis pelos eventuais desvios na condução desses Planos, desde o detentor até os agentes públicos, passando pelos engenheiros projetistas e executores. Não se pode conceber que o estado tenha um número ilimitado de PMFS’s ativos sem ter a estrutura mínima para a fiscalização e o controle desses Planos. Não se pode conceber também que um só engenheiro fique responsável por mais de 30 Planos!

Então, esses limites devem ser traçados levando-se em consideração a estrutura de fiscalização e controle estatal e também considerando um grau máximo de volumetria a ser explorada, reduzindo drasticamente os volumes atualmente praticados, o que tornariam mais eficazes as ações de fiscalização minimizando os possíveis danos. E seria muito importante também, tornar as conseqüências penais diretamente proporcionais a esses danos causados, assim, quanto maior o dano, maior seria a pena prevista!
Como tenho alertado! Da forma como, historicamente, vem se conduzindo os PMFS´s em Mato Grosso e com a fragilidade cada vez maior dos mecanismos de fiscalização e controle atuais, a Amazônia mato-grossense se tornará um imenso mar de soja, e em muito pouco tempo!
Já passa muito da hora de a sociedade organizada iniciar sua cruzada moralizadora e lutar por políticas publicas compatíveis com os desafios atuais, não deixando todo o poder nas mãos daqueles que não estão comprometidos com o nosso futuro e o futuro de nossos filhos.
Precisamos vigiar e punir!

Adamastor Martins de Oliveira é Analista Ambiental – Agente Federal de Fiscalização Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA- em Cuiabá

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