O Brasil, lamentavelmente, está um século atrás de outros países, até mesmo dos países da América Latina, no que diz respeito à reforma agrária. Emiliano Zapata, um camponês analfabeto, em 1910 fez uma revolução que mudou o México. O México é o que é hoje graças à revolução de Zapata.
A Bolívia fez a sua revolução em 1950. A Nicarágua e Cuba também já venceram essa etapa, e implantaram a reforma agrária via revolução. Outros países da América fizeram a reforma agrária pela via democrática, com a pressão dos movimentos sociais. O Brasil vem agindo assim, mas a oligarquia brasileira continua resistindo, porque não entendeu ainda a relevância dessa questão, fundamental para o desenvolvimento do País.
Os Estados Unidos mostram claramente a importância desse processo: o norte foi colonizado com a política da pequena propriedade, enquanto no sul prevaleceram a grande propriedade e a escravidão negra. Até hoje essa diferença é nítida. O norte é mais rico, mais organizado. No sul prevalecem as organizações de extrema direita, que matam presidentes e pastores de igreja, porque a sua estrutura é atrasada, fruto da colonização.
Países como o Japão, Coreia e Taiwan se desenvolveram não apenas por causa dos investimentos em educação, mas também porque executaram uma reforma agrária benfeita, com boa distribuição da terra. Getúlio Vargas começou esse processo no Brasil. Jango fez depois o Estatuto do Trabalhador Rural. Até a ditadura militar fez o Estatuto da Terra, reconhecendo o valor social da terra e apoiando a reforma agrária. Mesmo assim, as coisas não acontecem no Brasil. A reforma agrária está empacada e nossos trabalhadores continuam sendo tratados como marginais. Trabalhadores em situações análogas às de escravos são assassinados, despejados, em função do emperramento da máquina pública.
Em Mato Grosso, conforme a Federação dos Trabalhadores na Agricultura – Fetagri, são cerca de 20 mil trabalhadores acampados, sem previsão nenhuma para assentamento, e outros 13 mil em situação pior ainda, ao Deus-dará, aguardando o desencadear de um processo lento e tímido.
Recentemente houve conflito em razão da retirada de 600 famílias, por determinação da Justiça Federal, de área da fazenda Bordolândia, localizada entre os municípios de Bom Jesus do Araguaia e Serra Nova Dourada. Há um ano e meio, por decisão do governo federal, as famílias da Bordolândia foram autorizadas a cultivar a terra, enquanto o Incra tomasse as devidas providências no sentido de demarcação dos lotes. Mas a Justiça Federal decidiu paralisar o processo e ordenou a retirada de todos.
Os posseiros deixaram para trás suas lavouras de subsistência e uma tão esperada perspectiva de vida melhor. Foram largados à própria sorte às margens da BR-158, bloquearam a rodovia e houve confronto com caminhoneiros. O desenrolar dessa história é do conhecimento de todos: o solo mato-grossense ficou mais uma vez manchado com o sangue dos trabalhadores, quando dois deles foram assassinados, marcando cruelmente um sonho de mais de oito anos de luta!
Cada pequena propriedade rural gera em média três empregos. E elas são importantes não só para a geração de emprego, mas também para a produção de alimentos, sendo que 70% da produção vêm dessas áreas. A questão é que a política econômica do governo Lula, do PT, é a mesma do governo Fernando Henrique, do PSDB. Os economistas são os mesmos, de São Paulo. Não levam em consideração o campo. Para eles, o que importa é o emprego urbano, o emprego dos metalúrgicos, o emprego do ABC.
É através da pequena propriedade que se pode conseguir estabilidade econômica. O Brasil está com o seu dever de casa atrasado, mas há de surgir ainda um Simón Bolívar, um novo Getúlio Vargas para que se faça cumprir o preenchimento dessa lacuna na história do país.
É preciso falar em reforma agrária como solução para o inchaço da pobreza nas cidades e para os conflitos no campo; da função que ela exerce na modernização do capitalismo, como ocorreu em outros países. Reafirmo que são equivocadas e infelizes as resistências e as dúvidas que surgem contra a reforma agrária. Ela tem de ocorrer, em grande escala. Sem radicalismos, é verdade, mas nos termos justos colocados pela Constituição: o uso produtivo da terra, a indenização razoável aos desapropriados; os mecanismos de financiamento aos assentados. Fazê-la avançar é um dever dos governos, das lideranças políticas.
Carlos Bezerra é deputado federal (PMDB-MT). Governou Mato Grosso (1987/1990) – [email protected]