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Uma fala irresponsável sobre o câncer

Gilberto Figueiredo é o atual secretário de Estado de Saúde de Mato Grosso
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Na última sexta-feira, fiz questão de estar na Câmara Municipal de Cuiabá para votar contra a cassação do mandato do colega Abílio Júnior. No entanto, uma fala que considero absolutamente infeliz me impactou. Me afetou porque, de alguma forma, consigo me colocar no lugar de pessoas que estão com uma doença terrivelmente dolorosa e são surpreendidas pela opinião de um representante popular que associa essa dor a uma espécie de “penitência” ligada à maldade.

Quero crer que o vereador Toninho de Souza se manifestou de forma equivocada, porque não é justo alguém pensar e, sobretudo, dizer algo dessa natureza em um púlpito que existe para dar voz aos anseios da população.

Como gestor em saúde, devo esclarecer que não há qualquer evidência científica que comprove que a raiva ou a maldade são causas para um câncer. Essa mutação genética atinge todo e qualquer tipo de pessoa e não escolhe a personalidade, a índole, a idade ou a classe social dela. Reforço que minha mãe e minha esposa sofreram duramente com essa doença e foram pessoas, ao longo da vida, desprovidas de qualquer atitude negativa; muito pelo contrário, sempre desejaram o bem ao próximo.

O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que, apenas em Mato Grosso, 4.440 homens e 3.680 mulheres serão diagnosticados com algum tipo de neoplasia em 2020. É muito provável que esses cidadãos, além de todos os outros que também se sentem afetados pela doença – incluo aqui o núcleo familiar dessas pessoas –, estejam bem insatisfeitos com a manifestação do parlamentar.

Tenho a convicção de que um diagnóstico não é avaliação de caráter e, mais ainda, tenho a certeza de que o poder exercido por um vereador não deve lhe dar o direito de julgar aspectos que nem sequer a ciência julga; essa é uma atitude irresponsável e imoral.

Por fim, manifesto o meu descontentamento não apenas como político, gestor, secretário estadual de Saúde. Expresso a minha insatisfação como cidadão que também presenciou as dores de um câncer e não se viu representado na fala desse vereador.

Penso que se o parlamentar passasse um dia acompanhando o sofrimento de crianças – seres que nutrem uma inocência muito singular – com câncer, nos leitos do Hospital Estadual Santa Casa ou do HCAN, ele reveria os seus conceitos. Depois de uma manifestação pública tão irresponsável, é preciso repetir mil vezes: não é indigno ter câncer. Essa doença não escolhe em quem nascer.

 

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