Entusiastas da cultura literária, objetivando fisgar talentos de iniciantes, criaram, em nível nacional, um concurso de contos, de dimensão e formato equivalentes aos projetados por esta narrativa, com o conteúdo pautando-se obrigatoriamente pela resposta à seguinte pergunta:
"Qual o fermento que mais contribui para o crescimento da massa?"
Antes de qualquer manifestação, buscando atingir a consistência e o respeito requeridos pelo certame, é necessário registrar o ineditismo da iniciativa, cujo tema encerra elevada dose de criatividade, inegavelmente.
Um pouquinho de tempero na vaidade dos organizadores não lhes vai fazer mal nenhum, a menos que a sua personalidade fuja das diretrizes que o Criador traçou para as almas que escalou para conhecer os mistérios deste mundo.
Essa fórmula tem o poder de indicar a saída de labirintos complicados. A criação artística, por exemplo, não estaria credenciada a receber o sol das manhãs e dos entardeceres ( a vermelhidão dos arrebóis, expressão, seguramente, a gosto dos poetas), se não estivesse rondando o seu ambiente. E não há castigo maior a um artista do que este: a sua obra converter-se em inquilino das cavernas.
A pesquisa sobre a obra de Vincent Van Gogh abre as trilhas do entendimento. Em vida, os seus quadros não despertaram interesse nenhum. Foram condenados a viver no ostracismo. O seu talento só posou no mundo da pintura a partir do momento em que os críticos descobriram a grandiosidade da sua arte. Revolucionária, dispensou os afagos e os limites do lugar comum. Assim, o Expressionismo abriu as suas cortinas e despertou, num primeiro momento, espanto e perplexidade, e depois, admiração e êxtase.
Os elogios, porém, são como veredas que se bifurcam. Borges, o argentino inspirado, escreveu O Jardim de Veredas que se Bifurcam, conto de elevado nível metafísico e de talento incomparável. Leitura recomendada. Testemunho de que a beleza, em certas mãos, não é regulada por limites.
Esse registro insere-se nas leis da necessidade. Ação preventiva. Dificulta o aparecimento de espíritos "desorientados", inclinados a sobreviver a expensas da produção de maldades. Explicamos. Poderiam vincular os autores ao plágio. Semear dúvidas é a especialidade desses tipos existenciais, até mesmo quando a verdade se apresenta despudoradamente despida, requerendo a aplicação da lei de atentado ao pudor. Verdadeira profissão. Voltaire, não obstante suas ações serem movidas pelo pêndulo do "politicamente correto", reuniu todas as condições para ser considerado o integrante mais ilustre dessa confraria. Era o maestro da discórdia!
Cautela e caldo de galinha são sempre providenciais para não se ficar refém.
As divagações, entretanto, são sempre acessórias, coadjuvantes. São guiadas por esse destino. Por que roubar a cena então? Pura rebeldia? Os exemplos da literatura se projetam na vida. Assim como os da vida se projetam na literatura. É uma troca de favores, circunstanciada pelos roteiros, pelos percursos andantes.
Diante desse intercâmbio, poder-se-ia ter como verdadeiro o seguinte: o maestro rege a orquestra apenas por gestos e sinais; o Uirapuru, com seu canto estridente, faz a floresta inteira silenciar para ouvir a sua melodia; o coroinha segue à risca as orientações do padre no ritual da liturgia. Parece até que há um certo determinismo nisso tudo. É a natureza falando por seus comandos. Ou a força do poder cósmico regendo as relações sociais. A menos que haja espíritos dispostos a promover rachaduras nessa ordenação, providenciando esquife e jazigo de terceira classe à ordem legitimada nesses fatores..
Vamos ser absolutamente claros. Didáticos. Os elogios estão subdivididos em duas classes. Uns são propagados por almas magnânimas, generosas. Estão impregnados de claridade. Expressam o pulsar momentâneo e sincero de um estado de alma. Não possuem fermento para fazer a massa crescer. Esgotam-se em sua formulação. Já os da outra classe têm o roteiro de viagem previamente traçado, cujo destino são ouvidos propensos a festejar a sua chegada. Trata-se de um ramo específico da engenharia, a engenharia logística, ou a engenharia de meios, como queiram…
De outro lado, e necessariamente, a Filosofia, a Religião e a Economia entram nessa disputa em igualdade de condições. Talvez, num nível imediatamente acima, por que não dizer?
Assim, considerando esse argumento e as atividades do mundo real, é sensato registrar a importância do papel exercido pela obra "Riqueza das Nações", do escocês Adam Smith, que, no julgamento de muitos, foi o estopim a liberar as forças da produção.
Quantos cogumelos não foram saboreados sob a vigência desta ordem? Elementar, pois se não fosse o interesse individual ninguém comeria cogumelo, caviar e escargô, simplesmente porque jamais haveria alguém em sua caça. Assim poderiam, simplesmente, arrematar os discípulos do escocês, em consonância com o seu exemplo antológico: o padeiro tinha em mente apenas o seu interesse ao produzir os pães, mas assim fazendo, conduzia a sua freguesia a saborear a sua iguaria, satisfazendo a vontade de todos.
Dois exemplos. Dois níveis de hierarquia. Pães e escargôs. Evolução: da simplicidade para os paladares refinados, mas o que os movimenta é a dualidade de uma única essência: primeiro o interesse, depois o desejo dos comensais. E pronto! Lei econômica sancionada pelos fatos. Diriam, derradeiramente, os apóstolos do profeta liberal.
O tema "comer escargô", todavia, não está inscrito para concorrer ao prêmio, em face de ainda não ter beneficiado o apetite das massas, mesmo com o crescimento da bondade pública. Pode ser coisa do futuro. Prazos longos quem não subscreve …? Machado já não dizia?
As idéias de Smith não teriam tido, contudo, o poder avassalador de expansão sem que o engenheiro escocês James Watt houvesse reinventado a máquina a vapor, que viabilizou a produção em grande escala, em virtude da mecanização das indústrias. Também favoreceu o aparecimento de estradas de ferro, das locomotivas, dos vagões e dos navios movidos pela energia que produzia. Fato que precisa ser registrado para impedir que a autoria não seja apropriada indevidamente por um terceiro compulsivo, apresentando-se nesses tempos conturbados como inventor dessa máquina.
Tudo isso está, a bem da verdade, na dependência de bons operadores. Teoria e prática formam um belo par, habilitado a comprar as alianças e a providenciar os proclamas. E os rebentos, seguramente, terão o ofício de enfeitar o mundo.
Nada desprezível também o papel que Cristo e a Igreja Católica desempenham no mundo, em que pese as intolerâncias da Inquisição com os "hereges". Esse método dissuasório não contribuiu em nada para a expansão da crença. Pelo contrário, as fogueiras geravam medo, dispersão e sumiço. Portanto, a Inquisição não reúne condições de disputa, não podendo ser apontada como fermento, por não reunir as propriedades químicas adequadas.
Inscrição certa e de peso representativo é a do Hinduísmo, em face do seu assombroso crescimento vegetativo, embora de geografia restrita. A sua variedade de deuses é um elemento aglutinador, como fonte de orientação e de energia. Malgrado a existência de um componente a ser considerado neste episódio: a melhoria do Carma está diretamente relacionada à obtenção da "Mocsa", o estado de elevação espiritual, que faz encerrar o ciclo de reencarnações. Explicamos. Reduzidas as reencarnações, menos gente no mundo. Assim a massa não cresce. Da mesma dificuldade padece o Budismo, com o Nirvana.
Importante, também, o trabalho exercido pela Reforma Protestante. Henrique VIII e Ana Bolena foram o estopim do cisma, com seu caso amoroso. Já Martinho Lutero e João Calvino, para mencionarmos os mais importantes, dotaram, pela divisão, e apesar das discordâncias, o Cristianismo de um potencial ainda maior do que o percorrido até então pela Igreja Católica sem os benefícios da parceria. A rivalidade entre católicos e protestantes fez o caldo do cristianismo engrossar consideravelmente, não há como deixar de reconhecer essa verdade, apesar das guerras que travaram entre si, a ponto de ser credenciada esse tese pelos autores como candidata a concorrer ao prêmio. A competição deu dimensão exuberante aos números.
Às obras de ficção deveria ser oferecido seguro para impedir o aparecimento de certas figuras cujo ouro ostentado é produzido pelo fogo e não pelo radiar do sol. Uma explicação é devida. Os espertalhões estão sempre à procura de uma Serra Pelada. A riqueza florescendo sem muito esforço. Prêmios da loteria poderiam ser a solução para apaziguar os "anseios e expectativas" dessa categoria existencial… Mas como não é fácil conquistá-los, enveredam pelos caminhos mais curtos… Assim, poderiam ser tentados magicamente a buscar algum tema sobre Israel relacionado com o crescimento da massa e inscrevê-lo no concurso, à busca de monetizar a sua idéia. Nada a ver! Seria puro e indisfarçável oportunismo!
A verdade, no entanto, regurgita com um breve relato. O Judaísmo não tem interesse algum na conversão dos demais mortais. Explicamos. Religião desprovida de proselitismo (talvez a única). Os judeus julgam-se o povo escolhido de Deus e pronto, nada mais restando a fazer senão seguir os ensinamentos da Torá e do Talmud, que o paraíso é macuco no embornal!. "Direito adquirido", sobre o qual Moisés tem grande responsabilidade. Basta conferir o Velho Testamento. A guerra na região é puramente de natureza territorial. A Faixa de Gaza, a Cisjordânia e as Colinas de Golan são questões de geografia e luta pela sua posse territorial, somente isso. Apenas Jerusalém tem símbolos religiosos importantes para as três religiões (judaica, islâmica e católica): as ruínas do Templo de Salomão (ali estão as duas tábuas dos Dez Mandamentos e o Muro das Lamentações, representando o que restou da esplanada); o local em que Maomé subiu aos céus para encontrar-se com Alah (nesta área foi construída a Mesquita de Domo); o túmulo do Calvário, onde Jesus Cristo foi sacrificado e sepultado.
Não há fermento nessa situação descrita, apenas destruição das reservas existentes dessa iguaria logística da alimentação, provocada pela guerra sem fim. E, pronto!
Nessa ebulição, aparece o método de Gandhi para desbancar a teoria do "olho por olho, dente por dente", apropriando-se da Ahimsa (não violência), ensinamento colhido do Hinduísmo, para, pelo menos, se não contribuir para o crescimento do bolo, impedir que seja roubada a sua farinha. Foi assim que Gandhi, junto com o seu povo, derrotou os ingleses na busca da independência. Revelou-se genial em suas ações, a ponto de podermos dizer, com absoluta segurança, que o mundo está carecendo de líderes dessa estirpe. A existência de alguns deles nas zonas conflagradas do Oriente Médio teria evitado muita encrenca e confusão… Aqui o crescimento da massa é apenas moderado, porque a pretensão é limitada.
Mas, não se pode negar que a natureza está assim constituída: uns produzem fermento para fazer o bolo crescer, outros trabalham pela destruição do bolo.
Distribuição dos elementos. Requisição da opinião de terceiros. Assim o layout desta "obra de arte" vai sendo organizado. Consultas foram realizadas pela Internet, de modo que leitores assinalassem qual dos pontos de vista narrados aqui teria mais potencial para fazer a massa crescer.
Registre-se que os quesitos em geral receberam atenção, com sugestões de que outros deveriam ser incluídos para recheá-la ainda mais. Demonstração de preocupação. Empatia em grau considerável.
Vale destacar, porém, que nem tudo foi chá, mel e torrada, em tardes de inverno. Um deles, Iranildo Iralonga, caracteres artisticamente trabalhados de acordo com a sua personalidade, abominou os argumentos desta narrativa de modo acintoso e provocativo, coisa desses caras que têm a fórmula pronta e acabada sobre todas as questões que regem o universo. Tudo bancado pela intuição, é claro… De ciência mesmo, só o trabalho de terceiros que passa ao largo do seu raciocínio. Luta difícil de ser travada esta, pois a idiotice está sempre apta a percorrer os caminhos mais íngremes, cheios de pedregulhos… E o faz com muita coragem e determinação. Isso é inegável! E, às vezes, faz a massa crescer numa dimensão tal, que se habilita a faturar qualquer prêmio…
Provocações à parte, é rigidamente verdadeiro dizer que teve o topete de consignar que o fermento que mais faz a massa crescer é a associação de homens e mulheres, bastando recorrer a expressão dos números: mais de seis bilhões de terráqueos estão aí desfilando a vitória incontestável dessa parceria. Insatisfeito com a eloqüência dos números, ainda argumentou:
"Nem mesmo a peste negra, que assolou a Europa, a China, o Oriente Médio e outras regiões do Mundo, isto no século XIV (entre 1347 e 1350), dizimando um terço a sua gente, com potencial destruidor a fazer inveja aos tsunami de hoje; a fome na Irlanda, ocorrida no século XIX, provocada por um fungo nas batatas, matando quase um milhão de irlandeses; a crise econômica de 1929, resultado do Crash na Bolsa de Valores de New York, gerando desemprego massivo ; as guerras de caráter ideológico no século XX, matando mais de cem milhões de pessoas; nada disso foi capaz de deter o ritmo do crescimento da massa…"
Desta feita, a sua pretensão transbordou todos os limites: passou a dirigir-se diretamente aos leitores, desrespeitando a titularidade. Roubar a cena é a especialidade mais notável dessas figuras estereotipadas.
A democracia tem dessas falhas e, às vezes, somos obrigados a engolir esses tiranos pretensos donos da verdade… Fazer o quê? É o custo que se paga pelo exercício da liberdade.
É dever registrar, entretanto, que esse desvairado prestou um grande desserviço aos seus argumentos deixando de incluir Hitler nessa composição diabólica que desfiou. O seu poder de destruição não pode ser esquecido, a menos que a omissão esteja a serviço de uma desprezível solidariedade e simpatia…
Desse modo, entendendo até como razoável o seu argumento (alguém já não disse que em toda mentira existe uma partícula de verdade…), os autores resolveram incluir o seu projeto como integrante desta obra, até porque, se não fosse acolhida a sua inserção, haveriam de passar o resto da vida esgrimindo-se com esse imbecil, pois os donos da verdade não são de entregar os pontos facilmente!
Não, porém, sem consultarem os organizadores do concurso sobre a sua validade.
Solicitação atendida. Declaram-na "incontinenti": hour concour. Desequilibraria a disputa. Morreu no nascedouro. Ainda bem!
Do desvario vem a orientação.
Rezemos em profusa corrente para que esses espíritos de porco não alcancem a hegemonia no cenário social, porque, se isso ocorresse, estaríamos inteiramente dominados pela revolução cultural que promoveriam com a sua estética dos números, qualificando-se a vencer qualquer disputa e a receber, como favoritos disparados, o prêmio estipulado pelos "sábios e respeitados organizadores deste concurso", apenas por associarem-se a estatísticas assombrosas.
E as estatísticas, por força de regra da sua natureza, são o retrato da conveniência! Nada mais!
Elas mostram, simplesmente, o bolo pronto e não as donas de casa lidando com a farinha, ovos, fermento e batedeira.
Conclusivamente, é de dizer que nada mais resta a fazer senão arrematar estas mal traçadas linhas e enviar o seu teor aos organizadores.
Providência tomada tempestivamente.
Angústia e expectativa governaram o interlúdio.
Dias depois, chega a notícia de que o conto vencedor do certame foi o de Hermenegildo Saboaldo: "O que mais faz a massa crescer são as encomendas de pizza para atender à demanda dos novos tempos!".
Contra fatos não há argumentos! Diria o Conselheiro Acácio, a fortiori (o velho e eficiente Conselheiro de Eça de Queiros, da sua obra O Primo Basílio), armando o tabuleiro bem ao seu estilo…
Márcio Florestan – Promotor de Justiça em Mato Grosso