Alguém inventou que nossa história seria dividida em partes. A cada parte se dá uma denominação: minutos, horas, dias, semanas, meses. Cada fatia desta cronologia tem uma importância maior ou menor, de acordo com a pessoa ou ocasião. Os enamorados não veem a hora de se encontrar; os minutos não passam para quem espera uma resposta; os dias são muito rápidos para quem acha que está ficando velho; e a semana – para quem trabalhou pesado de sol-a-sol – não acaba nunca.
Mas há uma divisão temporal neste sistema criado por nós humanos, que emenda tudo, os minutos, horas, dias, meses, anos, décadas, e até os séculos: é a virada de ano. De Maomé a Buda; dos 12 deuses mitológicos a Jesus Cristo; ocidente e oriente; sul ou norte, cada canto do mundo tem sua celebração para esta data a qual damos tanto significado, mesmo os que a celebram por outros calendários.
Independente de religiões, povos, raças ou nações, cada ser humano tem um encontro marcado com este dia, e há para cada um algo a dizer, pensar e refletir sobre o ano que passou. Sempre existe aquele minuto de angústia e ninguém passa batido. Nem que seja por uns instantes, entramos em nós mesmos e lá ficamos parados, como se estivéssemos vendo um filme de tudo que se passou. E então resta abrir os olhos e imaginar como será ali adiante. O enredo provocado por esta sensação, aliado ao mundo ultramoderno em volta, repleto de boas e novas, nos empurra a acreditar que tudo será diferente, e melhor.
Quem inventou a virada de ano – talvez sem querer – criou o mais espetacular remédio para os desastres da alma. O sistema econômico soube capitalizar tudo isso e transformar em consumismo puro. Mas o remédio é natural e gratuito, e nem precisa de propaganda, causa uma catarse coletiva e expectativa real de que tudo vai mudar. A comoção toma conta, as festas se propagam, os sentimentos afloram, os presentes são trocados, a família é reverenciada, todos se tocam no primeiro minuto do ano que começa. Cada um empresta ao outro o resto de alegria que sobrou, do ano que se finda.
É como um ritual de passagem, que talvez, tenha surgido da necessidade de recompormos a alma, e nesta data, olhamos para um momento qualquer da vida – como este ano de 2008 – cada um com sua ótica, pensando que ele só voltará a nos incomodar nas retrospectivas e lembranças, nas marcas boas ou ruins que deixaram, e que no final de tudo, para alegria ou tristeza geral, passará e não voltará mais.
Algumas pessoas carregam segredos, dilemas, frustrações e delírios que atravessam os anos. Outras se sentem realizadas. Tem os que acreditam que sua missão nunca está acabada, e assim as portas das oportunidades continuam se abrindo, e se fechando. O novo ano é uma bela oportunidade, senão para se desfazer das angústias, para usufruir sua felicidade ou mais um tempo a fim de concluir cada qual a sua obra. Ou simplesmente cumprir seu expediente na vida.
Que bom que o ano está virando, temos mais um pela frente! Não importa se levaram uma parte de nós ou se perdemos o tempo sem ter feito aquilo que se queria. Importa estarmos vivos e com saúde, porque isso nos dá a oportunidade de vibrar, reconhecer os erros, amar todo mundo e saber que temos sonhos a serem realizados, amores a serem conquistados, terras prometidas que nos esperam, tesouros que ainda não foram descobertos e partes das nossas vidas para serem recompostas, ou completadas.
O que se convencionou chamar de reveillon (ou virada do ano) tornou-se um grande momento na vida de todos. Instantes preciosos para celebrar a chegada de um novo tempo, ainda que ele exista apenas em nossa imaginação. E assim a humanidade seguirá firme, com o mesmo sol, a mesma lua, as mesmas tempestades, e a insistente sobrevivência neste mundo cheio de dilemas.
Sigamos então, otimistas, todos os quase 7 bilhões de heróis dessa existência. Sigamos frente a todas as adversidades, pois alguém um dia falou que não existe problema que não possa ser superado. E crentes nisso, brindemos ao inenarrável e espetacular ano que se abre.
“Em dois mil inove!”
*José Marcondes Neto (Muvuca) é (ex-) presidente de Centro Acadêmico, diretor do DCE da UFMT, membro do Conselho Superior da Universidade Federal, diretor da União Nacional dos Estudantes, representante cuiabano no Aglomerado Urbano, dirigente partidário e articulista de diversos jornais em Mato Grosso.
“A gente não muda, o que muda é o jeito que os outros nos olham, de acordo com a circunstância em que nos encontramos”
(JMN)