Muitas polêmicas ainda perduram quanto aos reais direitos do cônjuge após a separação judicial ou após a morte do outro cônjuge, em especial no que se refere às participações societárias detidas por apenas um deles em aquisições ou formações do capital social, após o casamento sob o regime da comunhão parcial ou mesmo total de bens.
De fato, é extremamente comum vermos casais em que apenas o marido ou a esposa são titulares de quotas de sociedades limitadas ou ações de sociedades anônimas. São por via de regra, negócios que podem representar o sustento de toda a família e que, após a morte ou a separação do titular das quotas ou ações, se encontram sob o manto da insegurança pela desinformação ou pela falta de planejamento prévio.
Tenho certeza que todos já ouviram pessoas relatando que seus respectivos cônjuges tinham uma ou mais empresas e que, pelo fato do regime de casamento ser de comunhão de bens, teriam direito, garantido por lei, à metade da participação societária detida pelo outro, mesmo não figurando no contrato social ou livro de ações. O pensamento nestes casos é um só: o investimento foi feito durante a constância do casamento, logo, eu tenho direito à metade da participação. Trata-se de uma verdade relativa.
Por vezes ainda, o cônjuge que não é titular das quotas ou ações postula em juízo o ingresso nas sociedades na condição de herdeiro, meeiro (que ou quem possui ou tem direito a metade em alguma coisa) ou ainda de "pretenso co-titular" após a morte ou separação, instaurando sérios conflitos societários que, se não pensados e trabalhados previamente, tendem a prejudicar e até acabar de vez com excelentes negócios ou pior, trazendo prejuízos ao próprio postulando em algumas situações.
Já escrevi em outras ocasiões sobre a importância de se ter um contrato social/estatuto bem elaborado e eventualmente até, um acordo de sócios e acionistas, conforme a necessidade. Não é questão de luxo, mas sim, uma verdadeira obrigação dos investidores, os quais devem prever todas as situações possíveis para que o negócio não seja atingido, independentemente deste ser uma padaria ou uma siderúrgica de grande porte.
Inicialmente, é de se destacar que a sociedade limitada é muito diferente da sociedade anônima. A começar pelo fato de que, a primeira é uma "sociedade de pessoas" ao passo que a segunda é uma "sociedade de capitais". Esta diferença é fundamental. Na sociedade de pessoas, os sócios mantém relação entre si, porque querem fazê-lo (com aquela determinada pessoa), porque um confia no outro e todos confiam que juntos podem fazer a diferença pela soma das contribuições e capacidades individuais.
Na sociedade de capitais, os acionistas não estão juntos pela relação pessoal que possuem ou pela soma de contribuições ativas de cada um em pró-negócio. Eles estão juntos pelo capital (pelo dinheiro ou pelos bens) que cada investidor poderá injetar na sociedade para que esta, por si só, possa se auto gerir com autonomia plena.
É por natureza, uma sociedade onde os sócios precisam ter o que se chama de affectio societatis – que é a manifestação livre de vontade de desejarem estar e permanecer juntos em sociedade. Este é conceito norteador de uma sociedade limitada. Ao acionista, ao menos conceitualmente falando, pouco importa quem será o outro investidor, ainda que o mesmo integralize sua parte no capital social. É o conceito frio e financeiro de que "estamos juntos pelo dinheiro".
Não é preciso dizer que os conceitos destes dois institutos, por vezes, se mesclam de forma a conferir particularidades aos negócios. Tudo isso, feito de forma pensada e estudada, dentro de um processo de planejamento societário e sucessório.
E o que isso representa frente ao direito do cônjuge cuja outra parte é a titular das quotas ou ações? Não necessariamente ele será sócio da sociedade limitada detida pela esposa ou pelo marido, mesmo estando casados sob o regime de comunhão de bens e mesmo tendo as quotas sido adquiridas na constância do casamento. Daí o porquê que os rumores que ouvimos rotineiramente podem ser verdades relativas.
A pergunta que fica é a seguinte: se o cônjuge não titular ou o herdeiro não pode ingressar na sociedade limitada quando existe cláusula de privação, como fica a partilha patrimonial nos casos de separação judicial ou morte? A questão é igualmente polêmica.
O posicionamento majoritário dos tribunais perfila do seguinte entendimento: É texto expresso do artigo 1.027 do Código Civil que "Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade".
Há entendimento pacificado de nossos tribunais no sentido de que "o acordo celebrado entre o casal em ação de separação consensual não pode se sobrepor ao previsto no contrato social. A partilha das quotas pertencentes ao varão forma apenas entre ele e sua ex-esposa uma subsociedade, não a incluindo como sócia da empresa. Assim, não pode ser determinado que a sociedade primitiva transfira a sua parte das quotas para o nome da sua ex-esposa, assando a figurar no quadro social sem aquiescência dos demais" (Agravo de instrumento nº 96.003109-0 da 1ª Câmara Cível do TJSC, Rel. Des. Carlos Prudêncio, j. em 25.03.1997; no mesmo sentido, CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 2003, p. 1999; FERREIRA, Eduardo Vaz. Tratado de La sociedade conygal. 1979, p. 137.).
O Código Civil freia a pretensão dos sucessores do cônjuge sócio falecido ou separado judicial ou extrajudicialmente, de exigirem a parte que lhes couber na quota social, ficando diferido este direito para um momento posterior, podendo perceber a divisão periódica dos lucros, até a liquidação da sociedade, de modo a manter incólume o patrimônio da sociedade e barrando o ingresso de estranhos sem nenhuma affectio societatis.
Dessa forma, compete ao subsócio promover posteriormente, no juízo cível, a venda de sua quota condominial, gozando, enquanto não extinto o condomínio, do rateio dos lucros que porventura resultarem da participação do sócio real, seu ex-cônjuge ou ex-companheiro. A subsociedade formada pelos ex-cônjuges mantém-se alheia à sociedade e aos demais sócios.
Nega-se o ingresso na sociedade do ex-cônjuge aquinhoado com as ações ou quotas, bem como a propositura de demanda contra a sociedade visando o recebimento dos haveres correspondentes à participação societária. É que, em tais casos faleceria legitimidade ao ex-cônjuge para pleitear a apuração de tais haveres, vez que tal ação é privativa dos sócios.
O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de decidir que "a ação de apuração de haveres em sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada cabe somente a quem dela seja sócio não se equiparando a tal quem adquire quotas de outro sócio, ainda que por partilha em dissolução de casamento pelo regime da comunhão de bens".
Extrai-se do corpo do acórdão o seguinte trecho do voto do Min. Dias Trindade: "O fato da partilha, contudo, não faz sócio o ex-marido da sócia, dado que não é apenas a aquisição de quotas que impõe a admissão societária, pois que necessário se apresenta o consentimento dos demais sócios e, em complementação, o arquivamento na Junta Comercial da alteração do contrato" (REsp. nº 29.897-4-RJ, 3ª Turma, rel. Min. Dias Trindade, j. 14.12.1992) – (Agravo de Instrumento nº 0357779-88.2010.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo).
Em suma, não ocorrendo o ingresso na sociedade por cláusulas de privação e não consentimento dos demais sócios forma-se uma subsociedade, que traz ao herdeiro ou ex-cônjuge o direito de crédito, mas não o ingresso efetivo no quadro societário. Isso é muito importante, pois afeta pretensões e frustra expectativas daquele que tinha plena certeza que seria sócio efetivo.
Por essas e outras e para que surpresas não ocorram, sempre é recomendado o planejamento sucessório prévio aos eventos, de modo que fique acordado antecipadamente entre os envolvidos, o que acontecerá na hipótese desta ou daquela situação. A dica, não é preciso dizer, vale para todos os tipos de negócio.
Carlos Montenegro – advogado em Cuiabá