Nos últimos tempos, é comum encontrarmos nas falas dos nossos dirigentes políticos o conceito de Sinop como um pólo regional de prestação de serviços. Na falta de uma divulgação mais explicita das estratégias adotadas para o crescimento da cidade, podemos entender que é esta concepção que orienta as decisões das pessoas que detêm o poder político na atualidade.
Esta concepção aparentemente é condizente com uma cidade cuja vocação madeireira lida hoje com o esgotamento das reservas florestais, com os altos custos do frete (tanto para os mercados consumidores como para a obtenção da matéria-prima), e com a forte concorrência direta de empresas maiores ou mais bem localizadas, e com produtos substitutos mais avançados tecnologicamente. Também colabora com a vocação para a prestação de serviços o fato de o município ter aberto mão da maioria de suas áreas cultiváveis para municípios menores, numa decisão que aparentemente era interessante naquelas ocasiões, pois transferia a responsabilidade pela manutenção das estradas rurais às prefeituras que estavam sendo instaladas.
A orientação estratégica de transformar Sinop num pólo regional de prestação de serviços leva ao entendimento de que qualquer ação que possa colaborar com a centralização dos serviços públicos na cidade é um ganho. De fato é, mas essa idéia carrega subliminarmente um perigoso conceito de que outras ações, no sentido de incentivar o ambiente produtivo, não o são.
Como resultado, temos como habitual nas conversas cotidianas a discussão dos motivos pelos quais as principais indústrias que tem se instalado na região terem preferido se instalar em municípios como Sorriso, Lucas do Rio Verde e outros, e não Sinop, que aparentemente deveria ser o principal pólo regional. A resposta a essa discussão aparentemente tem respaldo na própria concepção do futuro sinopense adotado pelas lideranças políticas atuais. Sinop não deve se preocupar com a perda de indústrias, pois acaba ganhando com a prestação de serviços a estas empresas, mesmo estando elas localizadas nos municípios vizinhos. Até aí tudo bem, tudo muito lógico…
É a partir deste momento que algumas questões precisam ser levantadas. O entendimento do que é ser um pólo prestador de serviços precisa ser mais bem definido, para que todas as ações sejam direcionadas no sentido de garantir que essa aposta estratégica tenha êxito. E vários são os problemas que podem ser apontados na atual conjuntura.
Primeiramente, é preciso entender que as empresas de grande porte geralmente são filiais de grandes organizações, cujos principais serviços são prestados por grandes ou médias empresas localizadas nas principais capitais do país. São Paulo é um exemplo disto, onde estão localizadas as principais consultorias, empresas de auditoria, escritórios de advocacia e empresas prestadoras de serviços congêneres. Sobra a Sinop a prestação de serviços menores, de caráter local, cuja competitividade se resume a serem mais baratos que qualquer outra opção que puder ser provida diretamente pela matriz de cada empresa.
Outra questão determinante é a capacidade de prestação de serviços que Sinop oferece. São Paulo é o principal pólo prestador de serviços do país, pois lá esta presente e organizada a maioria dos profissionais de alta capacidade disponíveis no Brasil. Que o digam os moradores do Rio de Janeiro, cidade que vêm gradativamente perdendo empresas para São Paulo. A idéia de que Sinop possa substituir a contento os serviços prestados por profissionais das grandes cidades merece uma observação mais cuidadosa, sob risco de ser precipitada.
Mesmo que os principais serviços (e os mais bem remunerados) utilizados pelas empresas da região sejam prestados pelas grandes empresas prestadoras de serviços nacionais, ainda resta a possibilidade de Sinop se apresentar como pólo de prestação de serviços regionais. A pergunta que surge é: que serviços são estes?
Os serviços administrativos (gestão de informação, gestão do conhecimento, assessoria jurídica e contábil) podem ser prestados à distância sem maiores problemas. Um exemplo disto pode ser visto na Vale do Rio Doce. Um amigo da Oracle que presta consultoria na Vale me confidenciou que a empresa estava tendo problemas com a coleta das informações em uma determinada unidade localizada em uma capital nordestina. Como forma de resolver este problema, ao invés de insistir no treinamento infrutífero de profissionais capazes de preencher os dados requeridos pelos sistemas de informação, a empresa simplesmente passou a requerer que os documentos fossem “escaneados” e enviados à Curitiba, onde técnicos competentes transporiam as informações às bases de dados da empresa. Outro exemplo, mais amplo, é a liderança da Índia na prestação de serviços de telemarketing.
O que se observa nos exemplos acima é que a capacidade de prestação de serviços depende da capacidade das pessoas que os prestam. E este é outro problema que deve ser observado atentamente no caso Sinopense. Não querendo questionar a capacidade dos profissionais que moram em Sinop, a questão se volta mais à quais as vantagens pessoais que a cidade oferece às pessoas que têm capacidade de prestar serviços de maior valor agregado. Todos sabemos que as pessoas são motivadas por questões financeiras, mas também por outras questões mais subjetivas relacionadas à qualidade de vida. Neste sentido, Sinop conta hoje com uma grande população de baixa renda cujo nível de instrução, infelizmente, não permite que disputem serviços de alta complexidade. Coincidentemente, os índices de violência têm aumentado tanto que os profissionais melhor remunerados estão tendo que transformar suas casas em verdadeiras fortalezas, numa situação em que se pode questionar quem está preso e quem está livre. Não se pretende aqui estabelecer uma relação entre os dois fatos, mas (correndo o risco de parecer elitista) surge a questão de como um pai de família honesto pode educar adequadamente seus filhos, se não pode nem ao menos condiciona-los ao trabalho, visto que estes postos de trabalho (trabalhos mais simples, próprios dos processos produtivos e não dos trabalhos de prestação de serviços) não existem?
Paradoxalmente, as políticas públicas parecem estar orientadas a garantir qualidade de vida à estas populações menos instruídas. É uma postura justa e democrática, mas age no sentido contrário da orientação estratégica de transformar Sinop num pólo de prestação de serviços. As políticas públicas atraem pessoas para uma cidade que se preocupa com sua qualidade de vida, mas ao mesmo tempo não garante que possam obter trabalho. É um paradoxo complicado.
Por outro lado, não parece haver uma grande preocupação com o bem estar dos profissionais necessários à prestação de serviços de maior capacidade de geração de renda. Ao contrário, qualquer ação neste sentido pode parecer elitizada, fútil e demagógica. Como resultado, é comum notar em engenheiros, advogados, agrônomos, administradores, contadores, profissionais da área de vendas e demais profissionais prestadores de serviços, a intenção mesmo velada de talvez mudarem para algum lugar onde haja ao menos maiores opções de lazer. Quanto à questão do lazer para a classe destes profissionais necessários à orientação estratégica adotada, chega a ser piada a escolha dos pontos de encontro nos finais de semana pela total falta de opção.
Uma opção estratégia para o município seria a prestação de serviços públicos, com a concentração em Sinop dos pólos regionais de quaisquer instituições burocráticas dos poderes nacionais e estaduais. Esta opção também merece, porém, uma abordagem mais racional. Uma cidade cuja economia esteja baseada tão somente nos serviços burocráticos teria uma economia estagnada, sem chances de crescimento. Gradativamente, acabaria perdendo importância econômica e política para as cidades vizinhas em crescimento, e num futuro teria dificuldades até mesmo de contar com esta opção como garantia econômica. Além disto, o ambiente social das cidades voltadas à burocracia estatal acabam enfrentando alguns problemas que contrariam a vocação do sinopense comum. O ambiente burocrático, com salários e honorários tabelados, criaria uma disputa entre os cidadãos que levariam os mesmos a gastarem seus esforços por parcelas pequenas de dinheiro, quando poderiam estar voltados (como sempre estiveram) no sentido de multiplicar os recursos. Um grande risco ainda surge caso esta busca justa pelo crescimento econômico levasse à criação de grupos cujos interesses pessoais suplantassem os interesses gerais. É comum o adágio, inclusive em Sinop, em que nos ambientes burocráticos são criadas “dificuldades”, para que se possam ser vendidas as “facilidades”. Não creio que as pessoas que vieram para Sinop pensem nesta cidade como uma versão menor e amazônica da cidade de Brasília.
Sinop se encontra assim numa situação contraditória. As políticas públicas defendem que a cidade é promissora ao se tornar um pólo de prestação de serviços, mas lida com a falta de atração e fixação de profissionais que desempenhem estes serviços. Por outro lado, conta com uma grande parte da população votante que quer de modo justo e valoroso fazer parte deste crescimento econômico, porém não está capacitada para disputar os postos de trabalho com profissionais que muitas vezes nem ao menos precisa estar morando em Sinop, ao mesmo tempo em que aceita calmamente perder postos de trabalho industriais para os municípios vizinhos. Essa contradição expõe problemas que precisam ser mais bem observados e cujas soluções precisam ser apontadas.
Este artigo não tem a pretensão de ser elucidativo. Pelo contrário, a pretensão é demonstrar que existem problemas e questões para as quais as respostas ainda não foram dadas. É claro que as políticas adotadas e as atuais situações criadas devem beneficiar algumas pessoas no curto prazo. Este artigo, porém tenta ultrapassar o contexto momentâneo para inserir-se na discussão dos caminhos de longo prazo para o município de Sinop, em novas situações em que todos os sinopenses possam se considerar incluídos.
Pressupondo que a fala dos dirigentes políticos implica numa orientação estratégica consciente, que transpassa o discurso político e se fundamenta em estudos racionais da economia local, talvez seja mais profícuo nestas épocas de questionamento da credibilidade do futuro de Sinop, que ao invés do depoimento dos líderes sinopenses em sua crença no potencial da cidade, que sejam apenas explicados como a cidade irá crescer dentro desta aposta estratégica, e como os cidadãos sinopenses devem se orientar para tomar parte e contribuir para o crescimento da cidade.