Nestes últimos dias uma parte importante da imprensa retomou alguns assuntos que julgo da maior importância discutirmos para avançarmos republicanamente um pouco mais em temas fundamentais e que, embora aparentemente distintos, estão intimamente relacionados. São eles: (i) a preservação ambiental com o combate aos desmatamentos ilegais na floresta amazônica; (ii) a segurança e condições de trabalho dos servidores públicos que combatem ilicitudes em todos os níveis; e (iii) a igualdade constitucional para trabalhadores domésticos e rurais.
Os dois primeiros temas foram trazidos por uma série de reportagens apresentada pela Rede Globo, boa parte por sua afiliada de Mato Grosso, a TV Centro América, e que desnudou, mais uma vez, o descaso com que os governos estaduais tratam a gestão florestal, infelizmente conduzida pelas suas falidas e politizadas Secretarias de Meio Ambiente, com suas farras fraudulentas na emissão e controle das Guias Florestais que podem ser adquiridas livremente pelas madeireiras fraudadoras, que são esmagadora maioria, conforme bem demonstrou a reportagem.
Nessas reportagens também ficaram evidentes as fragilidades da segurança dos servidores públicos que ousam combater a máfia da madeira ilegal em Mato Grosso. Vejam que os principais atores desse combate como o Gerente do Ibama em Sinop-MT, Evandro Selva, recebem ameaças à sua integridade física e até um Promotor de Justiça da região teve e tem seus passos monitorados pelos bandidos, sem que nada aconteça. De passagem, é bom ressaltar que essas ameaças não se diferenciam em nada das sofridas pela Procuradora da República, Léa Batista, em Goiáse que teve o seu algoz já preso, pois, ao que parece, houve priorização da Polícia Federal nessas investigações. É difícil, mas quero acreditar que a Polícia Federal não esteja fazendo diferenciação qualitativa, entre os dois tipos de servidores públicos, para priorizar suas ações investigativas. Se não, onde estão os que ameaçaram Evandro Selva?
Voltando às reportagens, a TV Globo só derrapou quando divulgou, e agora é acompanhada por diversos outros veículos, sem ouvir especialistas, uma notícia trazida pelos membros politizados do Ministério Público Federal-MPF, dando conta de que os assentamentos do INCRA seriam os responsáveis pela maioria dos desmatamentos da Amazônia.
Voltando aos temas, o último a que me referi foi trazido pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados que aprovou a admissibilidade da proposta de emenda à Constituição (PEC 478 /10) que estabelece a igualdade de direitos trabalhistas entre os empregados domésticos e é subscrita pelo Deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) que resolveu, com isso, honrar a aurora de sua trajetória somente agora no seu crepúsculo.
E aproveito tudo isso para relembrar dois escritos meus (“Empregados da Floresta”, in Repórter Brasil, 19/09/2008 e “Os oportunistas da notícia”, in Eco, 01/10/2008) e que procuraram também abordar essas matérias que deveriam merecer um pouco mais da nossa atenção.
No que se refere aos desflorestamentos, naquelas oportunidades tratei de desmistificar a questão da verdadeira participação dos assentados do Incra, contextualizando os desmatamentos do ponto de vista operacional, histórico, político e econômico, de forma a demonstrar como ocorriam e ainda ocorrem esses crimes contra a floresta na Amazônia, e como isso se relaciona aos demais assuntos. E, por oportuno, repiso alguns trechos.
Quando da divulgação de uma lista dos 100 maiores desmatadores do Brasil em 2008, surgiram também, de imediato, os mesmos oportunistas de sempre a dar à notícia a versão torpe garantidora dos interesses escusos do capital predador.
Nas primeiras horas após a divulgação, a Veja, por meio de seu mais retrógrado e mentiroso representante, Reinaldo Azevedo, já estampava: “Incra é responsável por 44% do desmatamento; então Blairo é inocente, e Lula, culpado”.
Então, para os mais esclarecidos, vejam o gráfico (produzido pela CGFIS/IBAMA) abaixo:
Ora, esse gráfico representa a evolução do desmatamento em Km2 desde 1977, sendo que a lista divulgada em 2008, mais ou menos como agora, continha apenas 100 dos maiores desmatadores autuados nos anos de 2006 e 2007, de uma lista de milhares de desmatadores desde 1988 e que foram responsáveis por um total acumulado de 342.442,00 Km2 devastados, desde aquele ano.
Como o total desmatado e autuado pelos assentamentos foi de 520.000,00 ha ou o equivalente a 5.200 Km2, desde 1992, e o acumulado de 1992 a 2006 foi de 278.672,00 Km2, isso significara que os desmatamentos de responsabilidade do Incra, que apareciam na lista, representavam apenas 1,86% do total desmatado naquele período, os demais 98,14% são de responsabilidade dos grandes latifundiários da Amazônia. Então, concluía-se que os 44% que apareciam na chamada mentirosa do Blog sensacionalista da Veja em 2008 era apenas mais uma das falácias dos que defendem a devastação das nossas florestas e que agora se repete com os políticos de direita disfarçados de Procuradores da República no Pará.
Naquela época o Secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso, vassalo de Blairo Maggi e da mesma laia do atual Secretário, também se apressou em utilizar a lista divulgada para alfinetar o Ministro do Meio Ambiente insinuando que o Governo Federal, através do Incra, é quem seria o responsável pelos desmatamentos em Mato Grosso. Nada mais falso e que denunciava os despreparo e as más intenções do órgão e de seus representantes. E os números acima evidenciam as tentativas de engodo.
Além disso, dever-se-ia, no mínimo, por honestidade social, informar que esses 5.200 Km2 são ocupados por milhares de famílias que foram beneficiadas por um pedaço de chão que nas palavras poéticas de João Cabral de Melo Neto musicadas por Chico Buarque em Funeral de um Lavrador:
“É de bom tamanho nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida”
Não se pode olvidar também de como se deu o processo histórico de ocupação dos assentamentos do Incra nesses últimos 30 anos de luta dos vários movimentos sociais pela reforma agrária no Brasil e que teve, na grande maioria dos casos, assentamentos de áreas regularizadas após serem invadidas nessa lida. E isso produziu vícios e irregularidades de origem, tais como: falta de licenciamento ambiental e planejamento na execução da exploração florestal dessas pequenas propriedades. Tudo por absoluta falta de apoio do Estado, que prefere proteger e apoiar o latifúndio, mesmo os imprdutivos.
E culpar os pobres assentados e sem-terra de serem os grandes responsáveis pelo desmatamento no Brasil é muito mais fácil (quem será por eles?) e se trata de um grande engodo. E nós sabemos a quem servem essas análises apressadas e distorcidas e devemos ficar atentos para não sermos iludidos ingenuamente.
E é preciso mesmo fazer uma análise um pouco mais aprofundada de como ocorre o desmatamento na Amazônia, mormente nos estados de Mato Grosso, Pará e Rondônia corroboradas pelas imagens e até mesmo pelo rastreamento das toras feitos pela emissora. Do ponto vista operacional é fartamente sabido que a grande maioria da extração de madeira em Mato Grosso se dá de maneira ilegal e começa com o “torero” ou extrator ilegal de toras que é a ponta da lança da ilegalidade nas fraudes contra a gestão florestal.
O “torero” é o “traficante de madeira”, e é quem fornece a madeira ilegal para ser “esquentada” pelas madeireiras que fraudam os sistemas. Sem o “torero” não haveria fraudes, assim como sem o traficante de drogas não haveria o consumo ilegal de drogas. Ressalte-se que o “torero” procura sempre atuar em áreas remotas, em que, se utilizando da exploração de trabalho análogo ao escravo, monta acampamento e mantém os trabalhadores em precárias condições para extrair dessas áreas, de maneira totalmente clandestina, ou às vezes a mando de proprietários sem licença alguma, madeira para abastecer madeireiras que fraudam os sistemas de controle e gestão florestal. Esses infratores se aproveitam da total ausência da “longa manus” estatal nesses locais remotos para a prática de toda sorte de ilícitos que começa com a chamada escravidão branca e vai até o crime ambiental, passando por porte ilegal de armas e aliciamento de menores.
Mas a extração legal da madeira também não foge muito a essa regra e conta também com o trabalho análogo ao de escravo em número bastante relevante e que tem sido muito difícil de dimensionar dada a informalidade com que é tratada essa questão pelos governos estaduais, que mal conseguem dimensionar a quantidade exata de madeira que é extraída nos estados, quanto mais, de que forma ela saí da floresta. A segunda etapa da extração se dá nas madeireiras, responsáveis pelo beneficiamento rudimentar da madeira em Mato Grosso que, em sua grande maioria, também mantém os seus trabalhadores em precárias condições, tanto do ponto de vista da legalidade na contração, como das condições de trabalho e, principalmente, quanto à segurança do trabalho, pois essas madeireiras mantém ainda, nos dias atuais, altos índices de acidentes, onde trabalhadores sem EPI e EPC têm suas mãos e braços cruelmente decepados.
O trabalho técnico especializado de beneficiamento da madeira feito por