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O regime fiscal privilegiado

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A conversão da Medida Provisória nº 413/08 na Lei nº 11.727, no último dia 23, contou com a inclusão de um dispositivo em particular que traduz a preocupação mundial de combater a concorrência fiscal “prejudicial” (“harmful tax practices”). Trata-se da extensão das regras de controle dos preços de transferência às operações realizadas em “regime fiscal privilegiado”. A introdução deste conceito no novo art. 24-A da Lei nº 9.430/96, apesar de apresentar algumas distorções em relação à experiência internacional sobre o assunto, demonstra a tendência cada vez maior de controle de operações e estruturas específicas, ainda que praticadas em países não classificados como de tributação favorecida – “paraísos fiscais”.

De acordo com os incisos I a IV do novo art. 24-A, considera-se regime fiscal privilegiado aquele (i) que tributa a renda à alíquota máxima de 20%; (ii) que tributa os rendimentos auferidos fora de seu território à alíquota máxima de 20%; (iii) que concede vantagem fiscal a um não residente sem exigir a realização de atividade econômica substantiva ou condicionando esse benefício ao não exercício de atividade econômica substantiva; e (iv) que mantenha sigilo quanto à composição societária das pessoas jurídicas, à titularidade de bens ou direitos ou às operações econômicas realizadas.

A primeira observação que se faz é que o conceito de regime fiscal privilegiado passou a coexistir com aquele de país com tributação favorecida (“paraísos fiscais”). Isso porque o conceito de país com tributação favorecida está relacionado a um determinado país, ao passo que o de regime fiscal privilegiado pode alcançar regiões de um país, pessoas, estruturas e / ou operações específicas ali praticadas, os quais não necessariamente implicariam na classificação de todo o território como “paraíso fiscal”.

Essa divisão, aliás, já está presente nos estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (conforme Relatório publicado em 1998 e intitulado “Harmful Tax Competition: An Emerging Global Issue”), que, admitindo que todos os países são, de certo modo, “paraísos fiscais” quanto a uma determinada operação, estrutura societária, rendimento etc., procuram inibir a realização de uma certa operação ou estrutura sem necessariamente enquadrar o respectivo país no conceito de “paraíso fiscal”.

Importante notar, contudo, que alguns dos elementos listados pelo novo art. 24-A da Lei nº 9.430/96 para a caracterização dos regimes fiscais privilegiados já foram considerados inócuos e de difícil aplicação em estudos específicos da OCDE. Exemplo disso é a ausência de obrigação de exercício de uma atividade econômica substancial. O Relatório da OCDE, de 14 de novembro de 2001 (denominado “The OECD’s Project on Harmful Tax Practices: the 2001 Progress Report”), sugeriu que os países não mais utilizassem o critério da obrigatoriedade de exercício de uma atividade econômica substancial na caracterização de um regime fiscal privilegiado, e que passassem a dispensar maior atenção à transparência dos atos e à disponibilidade dos países fornecerem informações.

No contexto, portanto, dos estudos já elaborados sobre o tema, o recém-editado art. 24-A da Lei nº 9.430/96 tem a finalidade de adequar a legislação brasileira ao modelo internacional de combate à concorrência fiscal prejudicial, empenhando esforços para fiscalizar “as operações favorecidas ou as dependências em que se pratique regime fiscal privilegiado, sem a necessidade de se classificar todo o país no conceito de paraíso fiscal” (conforme discussões da Câmara dos Deputados sobre a conversão em Lei da Medida Provisória nº 413/08).

No entanto, a tarefa de identificação desses regimes fiscais privilegiados não seria fácil, e, caso deixada sob a responsabilidade dos contribuintes, poderia levar a constantes confrontos com a administração tributária, que poderia não concordar com os critérios utilizados para a identificação ou afastamento das operações sujeitas a controle. Afinal, a legislação brasileira conceitua genericamente os regimes fiscais privilegiados, assim como faz com os países com tributação favorecida. Nesse contexto, atribuir ao contribuinte o ônus de conhecer em detalhes o regime fiscal sob o qual operam todos os seus fornecedores e clientes domiciliados no exterior seria impor-lhe um ônus desmedido e sem muita segurança, uma vez que o critério eventualmente utilizado pelo contribuinte poderia ser questionado pela Receita Federal do Brasil.

Por esse motivo é que entendemos que, à semelhança do que ocorre com os países com tributação favorecida, a aplicação da nova regra requer a centralização das informações pertinentes, produzindo efeitos para os regimes fiscais que sejam objeto de lista específica a ser publicada pela Receita Federal do Brasil. Tal lista deveria, ainda, se submeter a periódicos processos de revisão e atualização (tal como ocorre no contexto dos estudos publicados pela OCDE sobre o tema).

Juliana Nunes é advogada especializada em Direito Tributário

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