Do bom debate provocado pelo colega Anselmo (a quem desnecessito reconhecer o talento profissional e o brilhantismo intelectual, por já tê-lo feito inúmeras vezes, sem nenhum arrependimento), faltou, por absoluta falta de espaço, fazer a discussão sobre a hipotética oposição entre “ser humano” e “ideal”.
Hipotética porque ideal só existe no ser humano. É exatamente a cultura, a língua, o ideal, que nos diferencia dos demais seres vivos, que nos humaniza, já que o homem só existe no mundo da cultura. Ou seja, só existimos como somos porque temos consciência disso, porque temos a faculdade de construir nossa própria história, dando-lhe significados e significações.
Logo, não há que se falar em contradição entre o ser humano e os ideais. O que podemos discutir são os diferentes ideais do ser humano. Por exemplo, o homem não nasceu corrupto, embora desde sempre tivesse que satisfazer suas necessidades, e para isso criasse os meios adequados.
Já criamos, ao longo da história, diferentes meios de satisfazer essas necessidades. Já tivemos o comunismo primitivo, sem absolutamente nenhum tipo de exploração de um indivíduo pelo outro, na mais plena colaboração. Já vivemos do escambo, da servidão, do comércio, do mercantilismo, do feudalismo, e agora vivemos do capitalismo, onde, repita-se, o meio encontrado foi um explorar o trabalho de muitos para ganhar muito, enquanto os outros mal conseguem satisfazer, de fato, suas necessidades básicas de subsistência, como comida, moradia, saúde, educação, muito menos verdadeiros privilégios modernos como lazer, cultura, carro novo, etc.
E o que defendo é que nesse meio encontrado, o capitalismo, a corrupção ganhou uma força história jamais vista, porque a lógica do lucro e da acumulação abalou os valores éticos como nunca (reconhecendo que ética, ela própria, é uma criação humana, fruto das relações de classe e de poder). E que o grande problema do mensalão foi, sim, os “companheiros” petistas citados no artigo contestado pelo Anselmo terem aderido à essa moral, abdicando da moral proletária.
E qual é essa moral proletária, poderia me perguntar. Bem, isso dá novos e enormes artigos, mas perigosa e resumidamente posso dizer que é a moral da superação da exploração de classe, do fim da acumulação, da valorização da vida pela elevação do homem como capital mais precioso da sociedade, da extinção do Estado opressor e castrador para o surgimento em seu lugar do Estado que vai administrar as coisas, não as pessoas.
Esse é o ideal proletário, socialista, comunista, que parte da esquerda brasileira defende claramente, outras nem tanto. E esse é o ideal que, embora não admita, tenho certeza que o Anselmo também comunga, nem que seja lá no fundinho de sua consciência, porque (faltou dizer no conceito do artigo anterior) ser capitalista, de verdade, é mais do que defender o capitalismo como ideal ou ideologia, é ser detentor do capital, dos meios de produção, o que não somos, embora tenhamos algum dinheiro e alguns privilégios.
Kleber Lima é jornalista e Consultor de Comunicação da KGM Soluções
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