sexta-feira, 19/abril/2024
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O fenômeno da Pandemia não pode passar em vão

Padre Roberto Gottardo, SJ, - pároco da paróquia Santo Antônio de Sinop
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(1) O teólogo e padre tcheco, Tomáš Halík, professor de Sociologia na Universidade Charles, de Praga, presidente da Academia Cristã Tcheca e capelão da universidade, escreveu oportuno artigo sobre o agudo e perturbador problema das igrejas fechadas por causa da Pandemia. O texto, traduzido do italiano, foi publicado pela Revista IHU – UNISINOS). Pinço, aqui, alguns tópicos da arguta reflexão com o fito de possibilitar uma reflexão sobre o assunto que tem causado tanto desalento, tristeza e incompreensões também.

(2) Halík parte de uma constatação genérica, mas não insustentável: “O nosso mundo está doente. Não me refiro apenas à pandemia do coronavírus, mas também ao estado da nossa civilização que esse fenômeno global revela. Em termos bíblicos, é um sinal dos tempos”. A barbárie, a descarada desobediência às determinações das autoridades, o mau caratismo e o deboche diante do mortífero vírus são sinais indicativos da assertiva do autor.

(3) Entende ser compreensível que “durante grandes calamidades, é natural que nos preocupemos sobretudo com as necessidades materiais necessárias à sobrevivência”, mas pondera: “nem só de pão vive o homem”. Diante da abrangência e dos estragos da pandemia, entende que “o inevitável processo de globalização chegou ao seu apogeu: a vulnerabilidade global de um mundo global é agora evidente”. Estamos no mesmo barco (será verdade!?).

(4) Faz alusão também a metáfora que o Papa Francisco utiliza para caracterizar a Igreja: “hospital de campanha”. Ou seja, “a Igreja não deve ficar em um esplêndido isolamento do mundo, mas deve derrubar as suas fronteiras e levar ajuda a todos os lugares onde as pessoas se encontrem necessitadas física, mental, social e espiritualmente”. É missão da igreja também desmascarar “a sociedade em que dominam os vírus malignos do medo, do ódio, do populismo” oportunista, da deslavada mentira como estilo de vida (modus operandi).

(5) Faz-se imperativo refletir sobre o fato das “igrejas vazias ou fechadas como um sinal e um desafio de Deus”. Que Deus está comunicando no presente histórico? Temos a coragem de pensar? Ou a famigerada globalização da indiferença (Papa Francisco) nos cegou a todos? “Compreender a linguagem de Deus, nos acontecimentos do nosso mundo, exige a arte do discernimento espiritual, que, por sua vez, exige um desapego contemplativo das nossas emoções e dos nossos preconceitos exacerbados, assim como das projeções que damos aos nossos medos e aos nossos desejos”.

(6) Os tempos são sombrios e doídos, mas nada justifica o desespero e a sensação de pânico. O fenômeno da pandemia não deve se tornar ocasião para se cultivar reações/ narrativas/atitudes intempestivas e/ou terroristas. Infelizmente, via de regra “nos momentos de calamidade, os agentes adormecidos de um Deus mau e vingativo difundem o medo e preparam um capital religioso para si mesmos. Há séculos, a sua visão de Deus levou água ao moinho do ateísmo” e a prejuízos irreparáveis à Igreja e à sociedade.

(7) Deus não é indiferente às desgraças e aos infortúnios que se abatem sobre seus filhos queridos. No livro do Êxodo se diz de modo solar: “Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está no Egito, e ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço seus sofrimentos. E desci para livrá-lo… (cf. Ex 3,7-8). Deus age “como uma fonte de força que opera naqueles que, nessas situações, dão provas de solidariedade e de um amor desinteressado, incluindo também aqueles que agem sem uma ‘motivação religiosa’. Deus é amor humilde e discreto”.

(8) O fato das igrejas fechadas não é uma espécie de prenúncio do que se avizinha e/ou já é realidade palpável em alguns lugares? “Não posso deixar de me perguntar se este tempo de igrejas vazias e fechadas não é uma espécie de visão que nos alerta contra aquilo que poderia ocorrer em um futuro relativamente próximo: dentro de poucos anos, elas poderiam estar assim, em grande parte do nosso mundo. Já não fomos avisados, várias vezes, sobre aquilo que acontece em muitos países, onde um número cada vez maior de igrejas, mosteiros e seminários se esvaziaram ou foram fechados?”. A sociedade idolátrica cultua o deus mamon (dinheiro) e o mundanismo ri das exigências do evangelho.

(9) Este tempo de pandemia deveria se transformar em tempo auspicioso para fazermos sério exame de consciência, enquanto cristãos/as, do “como” estamos vivenciando a nossa fé? Estamos, efetivamente, sendo sinal de luz, de sal e de fermento no mundo? “Talvez este tempo de edifícios eclesiais vazios ponha simbolicamente em evidência o vazio escondido das Igrejas e o seu possível futuro – se não fizermos um sério esforço de mostrar ao mundo um rosto do cristianismo completamente diferente”. Precisamos, sim, “passar radicalmente de um estático ‘ser cristãos’ a um dinâmico ‘tornar-se cristãos’”.

(10) Não seria um momento interessante para “aceitar a atual abstinência de serviços religiosos e de atividades da Igreja como kairós, como uma oportunidade para pararmos e fazermos uma reflexão profunda e empenhada diante de Deus e com Deus”?

(11) Não será um apelo à criatividade e à superação de certo devocionismo bisonho e/ou balofo que muitas pessoas religiosas estão ancoradas? Não está sendo fácil para ninguém, mas a paralisia também é fatal. “Não vejo como uma solução limitada, sob a forma de substitutos virtuais – como, por exemplo, a transmissão das missas pela televisão –, possa ser uma solução suficiente, neste momento em que o culto público está suspenso. Uma passagem à ‘devoção virtual’, à ‘comunhão a distância’, de joelhos na frente de uma tela, é algo sumamente bizarro. Creio que deveríamos, sim, pôr à prova a veracidade das palavras de Jesus: “Onde estão dois ou três reunidos no meu nome, aí estou Eu no meio deles” (cf. Mt 18,20).

(12) “Deus está morto” ou está aprisionada batendo às nossas portas para sair? É Inevitável, aqui, não se reportar à radicalidade do pensamento de Nietzsche que descreve a presença de um “louco que entra na igreja para cantar Requiem aeternam deo, e pergunta: ‘Afinal, o que são estas igrejas senão somente os túmulos e os sepulcros de Deus?’. Devo admitir que, durante muito tempo, diversos aspectos da Igreja me pareceram sepulcros frios e opulentos de um deus morto”. A julgar pela mentalidade refratária ao evangelho e atitudes preconceituosas de tantos cristãos, não é difícil concluir que “adoram” o deus dos sarcófagos, um deus caricato.

(13) Halík observa ainda que na cultura contemporânea o sentido de pertença à uma instituição tradicional esfuma-se em ritmo galopante. Afirmação para lá de pertinente. Hoje, “aumenta o número das pessoas que estão ‘à procura’… Aumenta também o número dos ‘apáticos’, dos indiferentes, das pessoas que absolutamente não estão interessadas nas questões religiosas ou na resposta tradicional que lhes é dada”.

(14) Pergunta-se: Estamos dispostos a pagar o preço que os “sinais dos tempos” exigem? “Devemos abandonar muitas das nossas velhas ideias sobre Cristo”. O evangelho atesta que “o Ressuscitado é radicalmente transformado pela experiência da morte… Até mesmo as pessoas que eram mais próximas de Jesus e por Ele mais queridas não o reconheceram”.

(15) “Mudar é difícil, mas não mudar é fatal” (L. Karnal). É precioso bom senso e fé incendida para compreender o tempo presente e fazer escolhas razoáveis: “Do tesouro da tradição que nos foi confiada, queremos tirar coisas novas e velhas e fazê-las participar de um diálogo com os que buscam, um diálogo no qual possamos e devamos aprender uns com os outros. Devemos aprender a ampliar radicalmente os limites da nossa visão da Igreja”.

(16) Em tempo de crise é bom revisitar as fontes para não nos afogarmos no imediatismo e no pessimismo. Halík nos incita a considerar as origens da história da Igreja. Lembra que o “cristianismo primitivo, banido das sinagogas, procurou uma nova identidade. Sobre os destroços das tradições em ruína, judeus e cristãos aprenderam a ler a Lei e os Profetas começando do zero e a interpretá-los de novo. Não é uma situação semelhante à dos nossos dias?”. É no interior das pequenas/grandes crises que se gesta o novo. Praticamente todas as descobertas científicas e tecnológicas aconteceram e acontecem como resposta às angustias, às necessidades e/ou às curiosidades dos humanos.

(17) Certamente, do flagelo da pandemia desprende-se duas atitudes possíveis para afrontarmos, enquanto cristãos, o preocupante momento histórico que estamos atravessando: “Aceitar a realidade das igrejas vazias e silenciosas simplesmente como uma medida temporária que, em breve, será esquecida. Ou acolher isso como um kairós: um momento oportuno para ‘avançar para águas mais profundas’ e procurar uma nova identidade para o cristianismo”.

(18) É tempo de intensificar a vida de oração, a prática da solidariedade fraterna e de cultivar o olhar contemplativo. Resmungar e/ou inventar culpados pelos males presentes não resolve nada. “Não procuremos Aquele que vive entre os mortos! Busquemo-lo com coragem e tenacidade, e não fiquemos surpresos se ele aparecer a nós como um estrangeiro. Vamos reconhecê-lo pelas suas feridas, pela sua voz, quando nos falar intimamente, pelo Espírito que traz a paz e afasta o medo”. Vinde a Mim todos vós que estais cansados… (cf. Mt 11,28).

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