No último dia 18 de setembro de 2013, o Supremo Tribunal Federal ficou marcado para o resto da sua existência com uma mácula indelével, coroada com a fleuma do ministro Celso de Mello. Nem passa por minha cabeça querer ensinar ou convencer os ocupantes dos mais altos postos do Poder Judiciário brasileiro, mas longe de mim, aceitar que não possa externar minha opinião, ainda que singela, em total discordância com a posição da maioria que permitiu a utilização dos embargos infringentes, em respeito a um dispositivo regimental, em detrimento do ordenamento jurídico do país, por mais que tenham defendido a sua completa integração. Ficou clara, absolutamente clara, sua paridade com as normas jurídicas legais ou até acima delas.
Celso de Mello se difere dos seus colegas que mantiveram os "dinossauros" infringentes. Ele está longe da parcialidade, quase torcida, de Ricardo Lewandowski e Dias Tóffoli. Está distante de cumprir a finalidade de sua indicação, como estão Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, e da segurança de uma gelatina de Rosa Weber. Mas Celso de Mello atestou um viés de nosso cipoal de legislação, que permite interpretá-la para o lado que bem entender e decidir da forma que bem lhe convier, até em absoluta contradição a tudo que ele mesmo já decidira em contraditória diferença para casos absolutamente iguais, o maior perigo de todos que ele próprio mencionou.
É indefensável a pressão da sociedade para determinar o voto de um magistrado. Jamais essa relação deve prevalecer na questão crime e justiça. Mas nesse caso, a questão seria se um tipo de recurso estaria vigente ou não diante de normas superiores, prevalência rechaçada com extrema veemência pelo decano. Sua justificativa era que o Regimento Interno do Supremo tinha posição igualitária às leis ordinárias federais, poisfora editado com respaldo constitucional, conforme previa a Constituição Federal de 1969.
Ou eu não entendi direito ou não ficou claro esse trecho. Pois se a norma principal, a Constituição de 1969, não tem mais vigência, a norma secundária não teria como viger, muito menos com força de lei.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, legislar ordinariamentesobre normas processuais ficou restrito ao Congresso Nacional e somente ela tem poder para tal. Essa exclusividade fulmina qualquer equiparação legal a que teria o referido Regimento Interno do STF antes da Carta Magna vigente.
Ainda que seja considerado recepcionado pela nova Lei Maior, isso só poderia alcançar regras que não se originassem de fontes privativas, como são indiscutíveis no caso de qualquer regra processual, em especial os recursos, com a relevância extraordinária mencionada pelo ilustre magistrado.
Merece enaltecimento a retrospectiva milenar feita por Celso de Mello, mas somente no aspecto didático, pois o direito é dinâmico, vivo, e o que já morreu não tem nenhum valor, independente de quanto tempo tenha perdurado. Vale o mesmo para as alfinetadas políticas. Não parece relevante o quê, e por quem, poderia ou deveria ter sido feito alguma norma jurídica. O magistrado só pode trabalhar com os instrumentos à sua disposição.
A ênfase dada a que todos, indistintamente todos, tem direito à ampla defesa parecia que os réus seriam aqueles jovens negros das periferias das grandes cidades. Pelo amor de Deus, essa polêmica só surgiu por conta de os réus serem peixes grandes. Só para lembrar, se não fosse a denúncia desse mensalão, hoje o presidente da República seria o "condenado" José Dirceu. Se fossem pessoas simples, o resultado seria unânime e os decantados embargos infringentes jamais teriam sido reencarnados no ordenamento jurídico brasileiro.
Efetivar um julgamento após nove anos dos fatos já é vergonhoso por si. A Justiça brasileira precisa tomar providências urgentes: começar por extinguir os dois meses de recesso para agilizar a prestação jurisdicional. Mudar alguns procedimentos como a publicação de acórdãos em jornais oficiais, injustificada numa época de publicidade instantânea.
Neste momento interessa mesmo o julgamento que marcará para sempre a forma de atuação parcial da Justiça brasileira. Quando o objetivo for alcançado e a cúpula se livrar da cadeia, ou o Supremo reverá sua posição e não conhecerá mais dos embargos, como já era para os comuns, ou logo o Congresso Nacional explicitará a inexistência desse recurso, um milagre que nem Deus faria, pois vai tornar inexistente algo que não existe.
É preciso ressaltar que a Folha de S. Paulo em editorial, por duas vezes, defendeu a liberdade dos condenados, por não considerar crimes graves a corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha e peculato. Inventou que cadeia só para criminosos que utilizem violência física direta – por minha conta. Pois é preciso dizer ao jornal que o dinheiro que vai para o raloda corrupção é gerador da maior violência contra a humanidade: a fome. Além de contribuir diretamente para a falta de médicos e de remédios para tratamento de doentes, muitos em estado terminal. Se isso não for violência, esta não existe.
Defendo reação imediata aos fatos pela população. E essa posição da Folha forçou a minha reação de nunca mais comprar este jornal, seja impresso ou eletrônico, posição que deve ser tomada pelos cidadãos toda vez que se sentirem atingidos de alguma forma. Para mim, Folha nunca mais.
Compreendo que esse infinito julgamento provoque os instintos mais primitivos de todos, mas a compostura deve pautar principalmente os envolvidos. Ao se retirar da sessão por discordar do colega, o ministro Gilmar Mendes foi além da descortesia, foi grosseiro e mal educado. Num país sério, sua conduta seria passível de uma apuração administrativa disciplinar ou ética.
Poderia ser convencionado que os ministros escrevessem seus votos do tamanho que bem entendessem, mas deveriam ler apenas pontos relevantes e conexos à ação. O do eminente Celso de Mello seria mais compreensivo se tivesse sido retirada a retrospectiva, pois não tem eficácia para a norma atual; poderia ser evitado o viés político, pois tem efeito didático, sem eficácia jurídica; o direito comparado também só serve para demonstrar erudição, já nacionalmente reconhecida no decano ministro.
Com o respaldo de ser um leigo, a Constituição de 1988 não recepcionou os embargos infringentes ou qualquer norma processual dos regimentos internos, ao dar competência privativa ao Congresso Nacional para legislar sobre essa matéria. Portanto, somente uma lei federal explicitamente poderia recriar os tais embargos, o que não fez nem a Lei de 8.038/90 e nenhuma outra. Como é privativo, não resta dúvida sobre a legitimidade de delegação a outros Poderes, mas também não foi autorizado.
Antes, nunca houve julgamentos de ações criminais originárias de políticos, a partir de agora, com essa interpretação diversionista, a reiteração infinita dos embargos infringentes não permitirá que nenhum processo chegue ao fim. Além disso, de forma definitiva, a atuação da bancada governista retirará a credibilidade do Supremo Tribunal Federal junto à opinião pública.
Pedro Cardoso da Costa – Bacharel em direito Interlagos/SP –