Na atualidade temos a nossa disposição uma ampla literatura que nos ensina, nos aconselha e nos faz refletir. A Bíblia, por exemplo, nos traz a história de Abraão, que foi colocado à prova, por Deus, quando este determinou que levasse seu filho Isaac à terra de moriá e, de um altar, o entregasse em holocausto. Sem titubear, ofereceu o filho para a imolação. Em resposta a tanta fé e confiança, Javé simplesmente livrou Isaac da morte, consagrando a herança do Patriarca das três grandes vertentes originadas no Oriente médio, a dos cristãos, a dos judeus e a dos maometanos. Essa foi verdadeiramente uma prova de confiança.
A Medicina é uma profissão sagrada, onde as pessoas entregam suas vidas em confiança aos médicos, cuja missão é a de salvar vidas. Assim, todos que optam pelo sacerdócio de carreira tão prodigiosa, devem encarar suas ações como iluminadas e abençoadas. Infelizmente, muitos, nos dias hodiernos, escolhem a referida profissão, não por sua nobreza, ou visando desenvolver o dom de auxiliar pessoas na busca de vencer a ameaça de óbito, mas sim fazer da profissão uma atividade rentável, tendo como alicerce as cifras e a fama proporcionadas pelo uniforme branco e o status de doutor.
Contudo, a minha preocupação não está na intenção do profissional, ao exercer o seu ofício visando a retributividade financeira, o que o projetará, por certo, a um estado de tranquilidade ainda maior no exercício de suas atividades. O que me atormenta é o fato de profissionais não possuírem condições técnicas ou psicológicas para atuar e mesmo assim, por dinheiro, acabam se enveredando por caminhos sem volta, verdadeiros abismos onde a vida do paciente é que está à prova. É certo que o erro médico se constitui na falha do profissional ao exercer a profissão, sendo que, o mau resultado, é normalmente a consequência decorrente da ação ou omissão do agente, por inobservância de conduta técnica adequada e recomendável.
Ultimamente, na condição de Advogado da Associação de Vítimas de Erro Médico de Mato Grosso, tenho me deparado com uma série de ações de profissionais que não respeitam minimamente os procedimentos necessários visando salvar vidas. É lógico que em alguns casos excluem-se as limitações impostas pela própria natureza da doença, bem como as lesões produzidas deliberadamente pelo médico para tratar um mal ainda maior, como é o caso de uma cicatriz, em virtude da necessidade de uma intervenção cirúrgica de urgência, onde o bem da imagem/estética se queda diante do maior bem jurídico, "a vida". Mas o que assusta é que casos simples de resolver acabam tendo contornos de gravidade, e às vezes, até de óbito, ante a negligência de médicos e profissionais da saúde, que muitas vezes passaram a tratar situações de enfermidade como problemas comezinhos do dia-dia, em que nada fazem, e largam o paciente à míngua, com dores crônicas insuportáveis, passando a ser tratados como mais um item estatístico na fila de espera.
Os pacientes passaram a ser números, os atendimentos pelo INSS passaram a representar prejuízo, os planos particulares se tornaram aviltação do trabalho, e o atendimento particular lucro, só lucro. Se, por um lado a ânsia de ganhar e ganhar impõe a uns a realização de atividades não permitidas ante a falta de especialização e capacitação, a outros impõe uma longa e desgastante jornada de trabalho. Em ambas temos risco sério ao enfermo, sendo a primeira pela imperícia e a segunda, pela negligência do profissional por deixar de realizar procedimentos que, em situação normal, certamente realizaria. O que me conforta, é saber que ainda existem Médicos éticos e responsáveis, tais quais aqueles de novela de época, que de posse da sua maletinha mágica, preocupavam-se, acima de tudo, em salvar o paciente, e não somente a sua conta bancária.
Fabio Capilé – advogado da Associação das Vítimas de Erro Médico de Mato Grosso, Presidente do Instituto dos Advogados Mato-grossenses, Professor Universitário e Conselheiro Titular da OAB/MT