sexta-feira, 29/março/2024
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Em causa própria

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Em causa própria

* ANTONIO DE SOUZA

No final de setembro e no começo deste mês de outubro, parte considerável do noticiário político da mídia regional foi dedicada a um assunto, por assim dizer, inusitado: a incansável e gloriosa (os adjetivos foram fartamente publicados em colunas – inclusive, sociais) luta dos nobres vereadores cuiabanos pelo direito de a Câmara de Cuiabá ocupar o Palácio Filinto Müller, outrora sede da Assembléia Legislativa.

A disputa pelo citado espaço foi passada à opinião pública por parte da mídia (com raríssimas exceções) como um assunto da mais elevada importância. Aos menos avisados, o noticiário chegou como se a questão abordada tivesse, por assim dizer, caráter de “segurança de Estado”.

Com efeito, até o governador do Estado foi empurrado para o centro da polêmica -apesar de estar a centena de quilômetros de Cuiabá -, a partir do momento em que os parlamentares municipais, depois de invadirem (nos moldes da sempre criticada ação do sinistro MST) a antiga sede do Legislativo Estadual, se arvoraram no direito de exigir (!) que o chefe do Executivo os recebesse numa audiência extra-agenda. Não se contando, claro, a ousada e ridícula proposta (até o prefeito da Capital teria manifestado disposição de entrar na cota) de se fazer uma “vaquinha” e alugar um avião para trazer (à força?) Blairo Maggi do Norte do Estado, onde ele se encontrava com sua equipe, no cumprimento de uma agenda de trabalho.

A história todo mundo a conhece de cor. O curioso é que, passada a euforia, serenados os ânimos (o próprio governador contribuiu para isso ao ceder o antigo prédio da AL para os vereadores) e recolhido o palco, chama a atenção o fato de parte da Imprensa da Capital insistir em colocar o Legislativo Municipal no centro das atenções. Não pelo que o Legislativo produziria em benefício do contribuinte que custeia suas despesas, mas pelo “esforço concentrado” da grande maioria dos ocupantes desse Poder em completar a mudança e ajustar o imóvel às necessidades e aos objetivos (na maioria das vezes, inconfessáveis) de alguns “legisladores”.

“Câmara prepara mudanças para nova sede”, “Nova sede da Câmara precisa de reformas”, “Câmara fará sessão em nova sede”, “Espaço é insuficiente para acomodar vereadores”… No decorrer de quase um mês, não passou um dia sem que essas fossem as questões “prioritárias” do Legislativo cuiabano, expostas no noticiário político. Sem se contar, a eterna cobrança do duodécimo, aquele repasse de vários milhões de reais que a Prefeitura – quer dizer, o contribuinte – faz todos os meses para garantir as mordomias e as sinecuras de alguns privilegiados.

Pelo menos é o que se deduz do farto noticiário a respeito. A Câmara Municipal aparece muito mais pelo que faz em causa própria (isto é, dos seus componentes) do que propriamente em benefício do povo. Um exemplo é bastante ilustrativo dessa omissão deliberada: a valorosa Câmara tem estado completamente alheia ao caos que se estabeleceu no sistema de transporte coletivo de Cuiabá. Com a maioria dos vereadores na sua base de sustentação, o prefeito e o secretário municipal de Transportes fazem o que bem entendem. Esquecem até os compromissos que assumiram em cima dos palanques eleitorais – dos quais, a propósito, relutam em descer.

Nem só de mudar de sede e de gabinetes vive a Câmara de Cuiabá. Nesse meio tempo, o Legislativo foi o centro das atenções também pela ação dos nobres vereadores que passaram a maior parte do “precioso” tempo preocupados em discutir a conveniência de mudar de sigla partidária. O noticiário também foi extremamente generoso em destacar esse “esforço”, aliado à preocupação com a montagem da plataforma eleitoral para 2006, já que todos os atuais integrantes do Legislativo Municipal são candidatos a uma vaga na Assembléia Legislativa, nas eleições marcadas para o ano que vem. Muitos deles, aliás, nem completaram um ano na função.

Caso a Câmara tenha realizado algo em benefício da coletividade, guardou para si. Ou a Imprensa releva essas supostas realizações, optando por divulgar somente aquelas que mexam com o mundo político e que causem furor, oportunizando sempre um debate que, na verdade, não leva a nada, só ao descrédito. A propósito, são notórios os balanços mensais, semestrais e anuais que esse Poder torna público, com destaque para moções (de pesar, de aplausos, de congratulações), mudanças de nome de rua e outorga de títulos de cidadania.

Vereador não tem imunidade, como se sabe. Melhor seria se também não recebesse salário, já que a função parlamentar, para a maioria, acaba se transformando num “bico” – valioso, por sinal, já que, por meio dele, muitos galgam posições de relevo no próprio meio político e social e costumam se embriagar com as benesses fáceis proporcionadas pelos poderosos de plantão, numa indecente troca de favores. É claro que isso não se aplica a todos, considerando que, no contexto do Legislativo Cuiabano, há cidadãos que honram cada voto recebido, mas, infelizmente, estão permanentemente ameaçados pelo vírus da incompetência e da insignificância.

Sou do tempo em que os homens de bem defendiam, por exemplo, que a Câmara Municipal deveria ter sessões de segunda a sexta e que os seus ocupantes deveriam ser cobrados sistematicamente pelos cidadãos. E que achavam, por exemplo, que o acesso ao Tribunal de Contas deveria ser feito por meio de concurso público e com a exigência, para o candidato, de notório saber em Ciências Contábeis. Infelizmente, como costuma dizer o jornalista Marco Antonio Moreira, o Vila, no Brasil (e especificamente em Mato Grosso), há coisas que até no Paraguai dão cadeia.

Mas, até quando tudo isso?

* Antonio de Souza é jornalista e consultor da Oficina do Texto – Marketing e Assessoria de Imprensa.
[email protected]

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