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De São Paulo para o Brasil

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O Estado mais rico da Federação, com maior efetivo policial, a melhor estrutura prisional e detentor dos maiores investimentos no sistema de justiça criminal nos últimos anos, vivenciou algo sem precedente na história do Brasil e que serve de alerta para todos – forças policiais, em particular, e sociedade de um modo geral. Nunca uma facção criminosa foi tão ousada, a ponto de deixar perplexos órgãos de segurança e o país como um todo fazendo parar (literalmente) uma metrópole com mais de 18 milhões de habitantes.

A ousadia foi tamanha que, num primeiro momento, as forças de segurança voltaram-se para sua própria proteção, pois eram os alvos preferenciais da organização criminosa denominada PCC (Primeiro Comando da Capital), com dezenas de policiais mortos e feridos. Reorganizada, as forças do Estado iniciaram o contra-ataque e, não poderia ser diferente, inverteram o placar macabro.

A guerra, ainda que não declarada, salta aos olhos do país e esta batalha não terá outro vencedor que não a sociedade, representada no embate por nossas polícias, no caso as forças policiais de São Paulo, que ainda derramam lágrimas e mesmo que sem tempo para assimilar tamanha dor pela perda de muitos trabalhadores – policial também é trabalhador – consegue reagir. Os anos de convivência, no mais das vezes partilhando dificuldades e digerindo criticas ácidas e nem sempre justas, nos credencia a dizer que não existe categoria no serviço público mais injustiçada, porém, forte, cheia de brios, que a policial.

Em meio à tormenta, com o sangue fervendo, o orgulho ferido e a dor quase que insuportável, levantam-se vozes, mais para procurar culpados, que apontar soluções, num jogo de empurra, que se arrasta há anos.

Neste ambiente caótico, figuras ilustres da nação apressam-se em fazer aquilo que deveriam ter feito há muito, ou seja, agilizar uma série de ações pendentes e que ajudariam no combate do crime organizado. O presidente do Senado Federal resolve votar um pacote de leis com eficácia duvidosa. O ministro do Planejamento anuncia que o Governo Federal aumentou seus gastos com a segurança pública e o Presidente da República diz que não há solução mágica e que é preciso inteligência para combater o crime organizado. Resta saber se ele se refere à inteligência como atividade de suporte às atividades policiais, ou se quis dizer que os integrantes dos órgãos policiais não estão intelectualmente preparados para enfrentar o problema.

No entanto, nenhuma proposta soou mais absurda que a feita pelo que é hoje o advogado do governo, ora ocupante do Ministério da Justiça, Márcio Thomas Bastos. Bastos propôs colocar à disposição do Estado de São Paulo a propalada Força Nacional, que sustenta configurar uma “tropa de elite”, composta de 4 mil homens, altamente treinados, assim como a Polícia Federal e seus órgãos de inteligência, o que o governo de São Paulo não aceitou, e corretamente.

O que para muitos pareceu falta de humildade, irresponsabilidade do governo de São Paulo, não pode ser visto como tal, pois se aceitasse o apoio da Força Nacional, composta por policiais pagos, treinados e custeados pelos Estados, São Paulo estaria aceitando a sua incompetência para enfrentar o problema e seus mais de 150 mil policiais, estariam aniquilados moralmente e por ação dos próprios governantes que lhes daria um recado direto: vocês não são capazes de vencer a batalha por si mesmo, então aceitamos o apoio de 4 mil homens que chegarão não sei quando e em que condição, mandados pelo Governo Federal. Aliás, a única coisa que o Governo Federal fez ate hoje na estruturação dessa força nacional foi investir milhões de reais em passagens aéreas, diárias e outras despesas de custeio para que seus componentes participem de um treinamento de quinze dias, suficiente apenas para proporciona-lhes um nivelamento, o que o que poderia ser feito com no máximo 20% do que a SENASP (Secretaria Nacional de Segurança Pública) gastou em sua farra com o dinheiro público, em detrimento dos projetos dos Estados.

Sobre o apoio da Policia Federal, é certo que sempre existiu, ainda que limitado pelos mesmos problemas enfrentados pelos policiais estaduais: falta de efetivo e estrutura aquém da necessária para atender a demanda crescente de trabalho e atribuições. Do contrario, admitisse que a Polícia Federal até então estava alheia ao problema, e se reconhece a sua omissão quanto a uma de suas atribuições, já que a organização criminosa do PCC há muito transcendeu os limites territoriais de São Paulo, passando a atuação a configurar a situação prevista na Constituição Federal (art. 144, §1º, I, parte final).

A crise do sistema de justiça criminal não é exclusividade de São Paulo, ainda que os fatos lá ocorridos demonstraram-na em uma circunstância extremada, que caracteriza um verdadeiro ataque ao estado democrático de direito. Há tempos o sistema de justiça criminal vem sofrendo as conseqüências do descaso de anos com investimento aquém da necessidade. São comuns nos dias de hoje as crises do sistema, que se revelam através de um número enorme de rebeliões e fugas nas cadeias e penitenciárias, na falta de estrutura das polícias para o combate a determinados crimes, em especial o tráfico e uso de substâncias entorpecentes, combustível maior da criminalidade, e outros praticados por organizações criminosas.

Os governos estaduais, de um modo geral, têm investido substancialmente na segurança pública, colhendo serviços significativos em seus respectivos sistemas, principalmente após a implantação do Fundo Nacional, em 2000. Mato Grosso é um exemplo disso, recebendo, até 2003 valores consideráveis do Fundo e alocando recursos próprios cada vez maiores (60 milhões/2003, 30milhões/2004, 100milhões/2005 e, 116milhões/previstos para 2006), o que propiciou a implantação de vários projetos de suma importância e com resultados satisfatórios (Gefron, CIOSP, CISC, Politec, Policiamento Comunitário e valorização dos servidores), além de assegurar todo o custeio do sistema, o que não ocorria até 2003.

Na contra-mão, como que cegos, alheios ao problema, de mãos lavadas apesar do mar de lama em que está envolto o Governo Federal, o Ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, e o Secretario Nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa, permanecem inertes, sem qualquer capacidade de reação frente aos contínuos bloqueios dos recursos que poderiam ser destinados ao sistema de justiça criminal, escudam-se em projetos mirabolantes, de eficácia duvidosa, ou seja, gastam mal o pouco dinheiro disponível. Apegados aos cargos por vaidade ou exclusivo interesse pessoal, passarão de ícone da Advocacia Brasileira e Delegado de Polícia Nacional Federal, com presença em operações de significativa importância, a Advogado do Governo do mensalão e pavão da corte petista, posto que um está mais preocupado em apontar solução judiciosa aos problemas do Governo Federal e dos membros do partido governista e o outro em viajar pelo país e exterior à cata de medalhas, afagos e outros alimentos para seu vasto ego, sempre à custa do erário público.

É bem verdade que o problema da segurança pública não encontra solução apenas com atividades policial, é preciso emprego, distribuição de renda, habitação, escola e até mudanças comportamentais, porém, antes de tudo deve ser encarado com seriedade, cada qual assumido suas obrigações, acabando com o jogo de empurra, priorizando os investimentos no setor, pois apenas discursos, projetos mirabolantes e campanhas que vão contra o sentimento popular, só fazem agravá-lo. Não adianta contingenciar os fundos Penitenciários e de Segurança Pública na busca de superávit primário, enquanto o PCC privatiza nossos presídios, auferindo lucros com a superlotação e o tráfico de drogas, decidindo quem morre e quem tem privilégios e empregando o que arrecada para financiar ações criminosas do lado de fora, cada vez mais ousadas e violentas, e fazendo escola por todo o Brasil.

Célio Wilson de Oliveira é promotor público e Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso.
[email protected]

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