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De barganha

Eduardo Gomes
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Cada vez mais forte e estridente o som chegava. Não se tratava de um barulho qualquer. Parecia uma sinfonia – uma sinfonia cabocla, por que não? – a melodia brotava do cocão do carro de boi que entrava na vila abarrotado de cereais e moradores na zona rural.

Às vezes o som duplicava, triplicava, quadruplicava. Isso, quando vários carros de boi chegavam ao mesmo tempo, cada um procedente de um sítio. A vila festejava sem consciência que testemunhava um belo capítulo do Brasil-pureza bem diferente da agora nação violenta, corrupta e apinhada de oportunistas.

Carro de boi com suas juntas afinadas. Com seu carreiro e candeeiro de pés no chão. Um espetáculo de encher os olhos e que mais belo ainda ficava quando debaixo da plataforma de carga seguia um vira-lata com olhar faceiro pronto a se desmanchar pelo carreiro.

O carro de boi não era o único meio de transporte, mas somente ele era musicado. Além dele, a tropa também respondia pela logística de escoamento da produção; essa também tinha lado sonoro, mas não que se comparasse ao som do cocão: era o cincerro no pescoço da égua madrinha, que sem nenhuma tralha nos lombos trotava à frente dos animais de carga e dos tropeiros, com a cabeça altiva, o olhar aguçado e o porte nobre como se quisesse dizer “estamos chegando!”.

Tempo bom aquele do carro de boi e da tropa, de se juntar ao pé do radio de pilha para ouvir música e tomar conhecimento das notícias. Época do fogão a lenha com sua chaminé e a serpentina que garantia o banho quente; do torrador de café e do lampião a querosene ou até mesmo da enfumaçada lamparina.

Tudo passa. O carro de boi passou, e com ele a tropa, o rádio de pilha, o fogão com a chaminé e a serpentina; o torrador, o lampião e a lamparina. As lembranças vão se volatilizando pela frieza do implacável relógio do tempo. O mundo saiu da vida e entrou na esfera virtual. Sem notar, o homem – inclusive o que veio do campo – contribuiu ou foi omisso permitindo a robotização, o sedentarismo, o sepultamento das comunidades fraternas para o surgimento dos grupos nas mídias sociais. Que péssimo negócio fez a humanidade.

Sem calor humano, sem fraternidade, vejo agressões na internet. Cada qual querendo o mundo que lhe interessa. Observo figura desancando Bolsonaro por sua longevidade parlamentar, sem o mínimo pudor para revelar que ele próprio é serviçal de parlamentar com igual tempo de atividade no Congresso. Acompanho frases agressivas contra Haddad, como se o presidenciável do PT fosse responsável pelos erros dos petistas – e esses críticos, à frente de patrimônio de origem ilícita ou imoral.

O Brasil mudou pra pior. Não trocaria uma só daquelas sinfonias caboclas ou um isolado som do cincerro ou ainda a poesia do vira-lata debaixo do carro de boi por todos os gritos e textos que a grande rede nos apresenta como se fossem a voz das ruas. Não faria uma barganha tão ruim assim.

Eduardo Gomes de Andrade é jornalista em Mato Grosso
[email protected]

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