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Crime eleitoral: o ovo da serpente

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O país assiste estarrecido, vendo o que desabrocha e aparece dos julgamentos dos processos de registros de candidaturas postos à apreciação da Justiça Eleitoral. São criminosos de toda ordem, desde traficantes de drogas, homicidas, pessoas que se apropriaram de recursos financeiros destinados à merenda escolar, desviaram dinheiro de obras de creches para nossas crianças (há um que se adonou de recursos para a construção do prédio do Ministério Público da sua cidade) e que têm a desfaçatez de pedirem tratamento de candidato (do latim candidus).

Na antiga Roma o candidato (candidus) usava uma túnica branco-brilhante, igual ao branco daquela propaganda de sabão em pó, quando desejava assumir um cargo público. Andava pelas ruas, a pedir apoio popular. Se o povo achasse que o cidadão não tinha condições para tal mister, encarregava-se de atirar sujeira (lama, barro) nas alvas vestes, demonstrando que o assim chamado candidatus era desagradável a um grande número de pessoas.

Mas aqui em nosso sistema há um filtro que permite, protege e incentiva a atuação dos “ficha suja”, os não cândidos, aqueles que, em Roma, seriam enlameados. Não acredita?

Pois bem.

A Constituição Federal diz que os partidos políticos têm a exclusividade (monopólio) das candidaturas (art. 17) e isso significa que não há como ser candidato a vereador, prefeito, deputado, senador, governador ou presidente da república sem estar regularmente filiado a algum partido político. É condição de elegibilidade (art. 14 parágrafo 3º inciso III).

E para o “chefão” do partido político (cacique, presidente, líder, dono etc.) quem interessa mais: o candidato puro, que não se renderá a negociatas no curso do mandato popular ou aquele mau político que fará todo tipo de safadeza com “poder outorgado pelo povo”, de modo a burlar leis e contratos para arrecadar dinheiro espúrio, permitindo que o “caixa dois” do partido consiga financiar e eleger outros iguais?

A resposta parece óbvia. O filtro partidário afasta os bons e premia os maus.

Basta dizer que os Tribunais Regionais Eleitorais (e o TSE) estão abarrotados de processos referentes aos ‘ficha suja”, pessoas que deveriam estar nos presídios, mas infestam os palácios.

O segundo filtro é a própria Justiça Eleitoral.

Nossos cartórios eleitorais e mesmos os juízes são treinados para identificar e punir as irregularidades formais acometidas pelos candidatos, tipo ausência de uma certidão (que qualquer um pode retirar da internet, inclusive a secretária do juiz), ou mesmo uma multa impaga que a pessoa sofreu por não ter comparecido na ultima eleição. Ora, ela podia estar doente, viajando, mas não é “ficha suja”, todavia a Justiça Eleitoral assim não entende e dá tratamento igual aos desiguais.

Vá tentar explicar a uma pessoa humilde, “igrejeira”, sem recursos para contratar um advogado ou contador, que ela teve o registro de candidato negado pela Justiça Eleitoral, mas que não é “ficha suja”. Tivemos o caso de impugnação de candidatos que eram analfabetos funcionais, sabem ler, dirigem veículos e têm CNH, possuem negócios legais e formais, conta corrente em banco, mas são consideradas analfabetas.

Não seria o caso de incluir esse tipo de postulante no processo político, de modo a contribuir com o fim do analfabetismo, cujos efeitos danosos (e discriminatórios, como se observa) eles conhecem na própria pele?

Nestas eleições municipais estamos vendo alguns pretendentes serem afastados de candidaturas porque tiveram um parecer negativo do Tribunal de Contas, um conclave de políticos espertalhões em fim de carreira (com raras, honrosas, mas silenciosas exceções) que adora perseguir adversários políticos.

Perguntamos: é justo?

E o derradeiro filtro que persegue os políticos bons é exatamente a grande vítima dos gestores velhacos: o eleitor. Sim, sua Excelência o Eleitor (aquele de onde deriva todo o Poder) prefere depositar o voto em um candidato que ponteia nas pesquisas eleitorais (muitas vezes, enganosas), não se importando sobre o passado criminoso do político escolhido e das perigosas relações que este mantém.

O mesmo Eleitor acaba por fazer vista grossa à ilegalidade das ofertas de benefícios em troca do voto, às vezes aceitando dinheiro ou bem assemelhado, não entendendo que aquele benefício será pago pela coletividade, depois da eleição.

Porém é um preciosismo exigir deste eleitor que saiba sobre o passado de seu candidato e as propostas sobre como ele pretende encarar os problemas da cidade, se o programa eleitoral no rádio e na televisão serve para outra finalidade. Os recursos financeiros destinados à propaganda eleitoral acabam sendo utilizados para emburrecer o cidadão, com a apresentação de “novelinhas” no horário gratuito ao invés de discutir e debater propostas viáveis.

Faz-se propaganda eleitoral atualmente como se fazia no século passado e isso na propaganda (que vive de inovação) é inaceitável.

Mas o vereador e o prefeito eleitos por meios corruptos em 2012 têm uma função importante na ORCRIM (Organização Criminosa). Eles serão a base para eleger os deputados estaduais e federais, além do governador, do senador e do presidente da república, daqui a dois anos.

E sabe o que aqueles eleitos neste Estado daqui a dois anos farão? Vista grossa para os desvios de dinheiro das contas públicas, permitirão o endividamento estatal por gerações, anulando a possibilidade de vida decente para nossos filhos e nossos netos, e os filhos e netos deles.

E lá em Brasília, o que farão os eleitos de 2014 a partir do esquema criminoso montado em 2012?

Participarão de esquemas do tipo “mensalão” ou equivalente, se locupletando dos recursos públicos. Dividirão seu tempo entre a defesa de seus interesses privados e a defesa processual nas ações penais que respondem no “foro dos privilegiados”.

Mas então, se a eleição municipal é nascedouro de toda a corrupção por que o Ministério Público não dialoga com a sociedade organizada? Por que o Secretário de Segurança não trata com as entidades que imploram pela prevenção ao crime eleitoral? Porque a Policia Federal não destina uma estrutura especializada para combater o crime eleitoral?

Sinceramente, há que se perguntar: se o ovo da serpente (corrupção), ora em gestação, não parir, será que haveria empregos para juízes e promotores daqui a dois anos? Na situação hipotética (talvez utópica) haveria aquelas operações espalhafatosas da Polícia Federal, com agentes bem alimentados, bem remunerados e recebendo gordas diárias?

Não queremos acreditar que alguém aceite que o crime eleitoral compensa. Mas cremos com firmeza há que se combater o crime eleitoral. É a mais hedionda das condutas. Dela nasce o drogado, o prostituído e o analfabeto.

*Antonio Cavalcante e Vilson Nery são ativistas do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral)

 

 

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