Dizem que “Deus conta as lágrimas das mulheres”, já que, sendo mais sensíveis e emotivas, compreendem melhor os problemas do mundo. E, infelizmente, como nossas mulheres têm chorado! Diariamente a mídia mostra em todo o país, a barbárie da violência de gênero, com mulheres ainda tratadas como objetos, inferiorizadas em relações desiguais, sujeitas ao controle extremo, ao ciúme obsessivo, a possessividade e a tirania do mais forte e poderoso.
Na Paraíba dez homens planejaram um estupro coletivo contra familiares e amigas e segundo eles a violação sexual de tais mulheres seria um “presente de aniversário” para um amigo. O crime terminou com o estupro de seis mulheres e o assassinato de duas delas.
Em Cuiabá, um empresário, querendo ver-se “livre” da esposa, ao invés de se divorciar dela resolveu mandar matá-la, contratando terceiros para invadir sua própria casa, simulando um assalto. O resultado foi o assassinato cruel da mãe de sua filha com 17 facadas e o marido covarde preso no velório, onde se passava por viúvo inconsolável, após a confissão de um dos executores do crime.
No interior de Mato Grosso, na cidade de Confresa, ao recusar sexo, uma mulher foi agredida, ameaçada de morte e arrastada pelos cabelos.
Também nesta capital, uma garota de programa, foi contratada por um cliente que confessa ter sido acometido por um “desejo incontrolável” de matá-la, o que o fez, colocando seu corpo posteriormente para ser incinerado no forno da pizzaria da família.
Já em um condomínio de luxo na região metropolitana de Belo Horizonte, a procuradora federal Analice Moreira de Melo, de 35 anos, foi morta a facadas pelo marido milionário, que não se conformava com a separação e depois se suicidou.
Estamos no século XXI, há 80 anos conquistamos o direito de votar, temos nosso país presidido por uma mulher, mas para muitas mulheres os costumes medievais ainda predominam.
Como bem definiu o filósofo inglês Thomas Hobbes “o homem é o lobo do homem”, que desde os primórdios da humanidade é capaz de assassinar pelas razões mais insignificantes e nessa história de assassinos cruéis e vítimas indefesas, a mulher é sem dúvida a grande mártir.
Diante deste cenário, neste dia em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, há motivos para comemorar?
Sim, as mulheres têm muitos motivos para comemorar, sobretudo pós 09 de Fevereiro de 2012, quando o Supremo Tribunal Federal, em decisão histórica, declarou definitivamente constitucional a Lei Maria da Penha em todos os pontos que seriam “supostamente” controvertidos, além de afirmar que nos crimes de lesão corporal de natureza leve praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, a ação penal é pública incondicionada, atendendo a anseio geral do Ministério Público, decisão que só foi possível graças a Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Ministério Público Federal.
Boas novas. Nos dizeres da jurista e militante Maria Berenice Dias, finalmente, “Maria da Penha: uma lei constitucional e incondicional… e o mais importante é que tal decisão tem caráter retroativo e vinculante, com eficácia contra todos, ninguém – nem a Justiça e nem qualquer órgão da administração pública federal, estadual ou municipal podem deixar de respeitá-la, sob pena de sujeitar-se a procedimento de reclamação, perante o STF que poderá anular o ato administrativo ou cassar a decisão judicial que afronte o decidido”.
Vejam ao absurdo que a intervenção penal mínima nos remetia em tais casos antes da decisão do STF, pois espancar uma mulher, quase sempre na frente de seus filhos, era tido como um crime que não merecia exemplar reprimenda Estatal, legitimando-se o “direito dos homens agredirem as mulheres”, desde que não deixassem lesões corporais de natureza grave. Exigindo-se que uma vítima desestruturada material e emocionalmente fosse chamada a se manifestar para dizer se desejava ou não a punição de seu agressor, retornando toda responsabilidade para aquela que deveria ser amparada (vítima), como se o Estado, literalmente, nada tivesse a ver com isso, assistindo passivamente a “surra doméstica” e a desestruturação das famílias por conta da violência.
Ressalte-se que o ingresso do conflito conjugal no Poder Judiciário tem significado simbólico importante para a mulher agredida. Não apenas pela visibilidade que dá à violência, mas pela informação ao Poder Público de que a mulher sozinha, não conseguirá pôr fim à agressão. A reafirmação da violência na presença do juiz e demais operadores, significa a materialização do conflito em sua dimensão de maior ou menor gravidade, realizando deslocamento capaz de inverter, momentaneamente, a assimetria da relação conjugal ou familiar violenta.
É evidente que a Lei Maria da Penha sozinha, não vai conseguir combater a violência de gênero em nosso país, mas é incontestável a importância de seu papel, que aliado a políticas públicas adequadas, programas e projetos educacionais e preventivos, haverão de construir a igualdade tão almejada, onde o direito de “não” da mulher, finalmente seja respeitado.
Décadas de desigualdades e inferiorização da mulher, não serão resolvidos nos 05 anos que a Lei Maria da Penha tem vigência, mas é evidente que tal mazela nunca foi tão visível e debatida pela sociedade, primeiro passo para sua compreensão, combate e enfrentamento, razão para a comemoração especial deste 08 de Março.
Lindinalva Rodrigues Dalla Costa é promotora de Justiça de Mato Grosso e Coordenadora Nacional da Copevid (Comissão Permanente de Promotores da Violência Doméstica)