quinta-feira, 28/março/2024
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A urgência da Vida

Emanuel Filartiga é promotor de Justiça em Mato Grosso.
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Arquivamos um procedimento administrativo. Foi aberto para apurar situação de vulnerabilidade de uma senhora idosa.

Recebemos uma mensagem via aplicativo WhatsApp, relatando que uma idosa, com 79 (setenta e nove) anos, residente na Rua Sem Nome, na cidade Nenhuma, que possuía dois filhos adultos, casados, e netos, residentes em outra cidade Anominada, encontrava-se vivendo sozinha, sem cuidados e que não possuía condições físicas e psicológicas para continuar vivendo solitária.

O arquivamento não foi consequência da resolução da situação ou porque não havia nenhuma situação de vulnerabilidade. Ela faleceu, desviveu … partiu.

Um dos filhos nos disse que a morte foi “típica da idade”. A sobrinha ligou informando que sua tia morreu de “desgosto”.

A brutalidade dessa perda absoluta, desse nunca mais, me fez lembrar que temos muitas cosias escondidas que precisamos escancarar. E com urgência, já que o tempo foge sem parar. E Ricardo Reis lembra que o tempo passa e não nos diz nada.

Em nossas casas, o estigma da velhice está no isolamento, no abandono e na negligência, por ação ou omissão, da sociedade, do Estado e principalmente da família.

É irônico como os lugares familiares que achávamos sólidos, que nos davam a impressão de eternos, podem ruir, vir a desmanchar.

Temos uma velhice encoberta, às escondidas, renegada à invisibilidade. Uma velhice isolada dentro das casas, solitária, incógnita, que não nos damos conta, que temos dificuldade de proclamar.

Eu a vi no “pra sempre” do falecimento dessa Senhora. Fez-me encontrar. A eternidade pode ser a memória que pegamos dos outros.

Se conseguíssemos dar visibilidade à velhice, ao sentido social dos velhos. Se escutássemos o velho que está dentro de nós, que nos habita; o pai, a mãe, a avó, o avô, amigos e amigas, o senhor(a) da fila do banco, do caixa, o vizinho idoso. Ah! Se, pelo menos, ouvíssemos os livros antigos, os móveis antigos, os segredos antigos.

Ouvi de Rubem Alves que o melhor seria se percebêssemos que o objetivo da vida não é ser útil. Útil é martelo, serrote, vassoura, fio dental, escova de dente. As coisas úteis, quando velhas, ficam inúteis. As pessoas são cheias de eternicidades.

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