Croce debatendo sobre a “honestidade política” afirma o seguinte: Outra manifestação da vulgar ininteligência acerca das coisas da política é a petulante exigência que se faz de honestidade na vida política. O ideal de “honestidade política” clama na alma dos imbecis, pois a virtude política para Maquiavel não tem nada a ver com a virtude de Aristóteles – obedecer à lei, por exemplo. A finalidade das regras morais comuns é tornar possível uma boa convivência, donde “boa” é a convivência em que estejam diminuídos os sofrimentos que os homens podem infligir a si mesmos com a sua conduta, uns contra os outros. Na ação política o que conta são as grandes coisas, os resultados.
Pode-se dizer que em política há autonomia em relação ao conceito de moral comum, pois uma determinada conduta pode ser julgada politicamente oportuna ainda que não seja eticamente boa. Ou, para se dar outro problema de autonomia moral, em outra esfera de atuação social, por exemplo: o fim de uma empresa na sociedade de mercado é o lucro, não se exclui que o lucro seja perseguido sem que se leve em conta o princípio fundamental da moral, isto é, o respeito pela dignidade humana.
A distribuição desigual da capacidade de percepção faz parte do poder. O detentor do poder conhece as intenções alheias, mas não permite que se conheçam suas próprias intenções. Na esfera política, onde o conflito é a regra, ninguém espera levar a melhor em uma disputa sem recorrer à arte do fingimento, do engano, da dissimulação das próprias intenções. A finta para enganar o adversário é bem vinda. Não há política sem o uso do segredo; mas o segredo não só tolera como exige a mentira: o dever de não revelar um segredo implica no dever de mentir. O lobista da Construtora Mendes Júnior entende as implicações do dever de manter segredo. Conseguir verbas públicas para a construção civil é o segredo que define o sucesso, é a diferença entre a grande e a pequena empreiteira.
Pois bem, na semana passada o relatório do Senador Epitácio Cafeteira estava pronto para ser votado, no conselho de ética do Senado e parecia que o arquivamento do processo de Renan Calheiros era uma certeza, posto que vários Senadores, em seu íntimo, não julgavam o fato do Presidente do Congresso ter saldado as suas contas pessoais, através de uma empreiteira, como um fato suficiente para afastá-lo da presidência; era mais conveniente para todos mantê-lo no cargo. Razão pela qual se davam por satisfeitos com os documentos, apresentados pelo Senador Renan, que estavam a comprovar a origem do dinheiro gasto com o pagamento de pensão à sua filha, tida com uma amante, através do amigo lobista. O ato formal de arquivamento do processo movido perante a comissão de ética e decoro parlamentar, sem uma abordagem profunda seria um fato suficiente para que a opinião pública esquecesse o pequeno incidente de corrupção envolvendo o presidente do congresso – incidente que estava sendo tratado como caso da vida pessoal do Senador, não dizendo respeito à sua vida pública.
Ocorre que a imprensa investigativa demonstrou que as operações de compra e venda de gado poderiam ter sido simuladas; bem como as notas fiscais e guias de transporte de animais poderiam ser falsas e, o volume financeiro da transação de compra e venda de gado, oriundo da fazenda do Senador está muito aquém dos valores repassados pelo lobista à Mônica Veloso, a amante do Senador Calheiros e mãe de sua filha.
A opinião pública, após as reportagens divulgadas na televisão nos jornais nas revistas e internet, fez o seu julgamento. Alguns políticos que percebem melhor a opinião dos eleitores, esta semana, mudaram de idéia quanto ao arquivamento do processo. – Por que? Porque, o político “prudente” não está obrigado a manter a palavra dada quando isto se torna prejudicial a ele. Senador Epitácio Cafeteira renunciou a relatoria do processo – na semana passada, “(…) prefiro comer caranguejo no Maranhão”, o Senador Wellington Salgado, nesta semana não resistiu às pressões – “(…) se não votarem o relatório hoje, eu renuncio”. Não se encontra hoje no Senado um Senador disposto a ir pro sacrifício de ser relator de um processo da comissão de ética e decoro parlamentar, bancando um relatório que proponha o arquivamento da denúncia apresentada pelo Senador do PSOL.
Alguns Senadores como Pedro Simon e Jéfferson Peres entenderam que a não renúncia de Renan Calheiros da Presidência do Congresso está afetando a credibilidade da instituição. A perseguição e a manutenção do poder para Renan se tornou um fim em si mesmo, ou seja, o poder de presidente do congresso alimenta a sua sobrevivência política, ele depende do cargo de presidente do congresso. Os interesses maiores da nação e do Congresso estão em segundo plano.
O suborno e o financiamento ilegal de campanha eleitoral são fatos comuns, e muito poucos Senadores resistiriam a uma investigação profunda destes temas. Desta forma, entre “eles”, senhores do poder, a corrupção para uma eleição ou re-eleição é conduta moralmente aceita. O que não estão admitindo no caso de Renan Calheiros, alguns Senadores, é o fato de que o homem político não pode colocar o interesse individual acima do coletivo, o próprio bem acima do bem coletivo, que no caso é a imagem do Congresso nacional perante a opinião pública.
O homem moral comum age e avalia as ações alheias com base em princípios tais como não roubar, não mentir e não dissimular; o político age e avalia as ações alheias com base na ética dos resultados. O homem moral se pergunta: Quais os princípios que devo observar? O Político se pergunta: Quais as conseqüências da minha ação?
Renan Calheiros está absolvido perante os seus pares. Se o julgamento fosse “off Record” este assunto de pagamento de pensão alimentícia através de um amigo lobista já estaria arquivado. Mas, o fato é que o julgamento de Renan está se deslocando para as ruas, pois, a cada dia que passa, mais públicos se tornam os fatos, e com a compreensão da opinião pública vem também o seu julgamento; ocorre que em vez da moral política, serão utilizados os valores da moral comum no julgamento da comissão de ética do Senado. Os colegas do Senador Renan vão salvar sa suas reputações, sobretudo a reputação do Congresso Nacional, a moral de princípios está prestes a romper Senado adentro quando do julgamento do Senador Renan Calheiros.
Diogo Egidio Sachs é ex-diretor ouvidor da Ager/MT, ex-delegado de polícia, é advogado militante em Mato Grosso.