Aconteceu que em pequena cidade do interior, no ano de 2012, venceu a eleição para prefeito o candidato do 55 (o PSD do Kassab), para alegria da metade dos eleitores que o apoiou e tristeza da outra metade, do que se infere que a campanha eleitoral foi por demais acirrada. O pleito, de fato, foi disputado voto a voto até o final da apuração da última urna.
Janeiro! Segundo a metade alegre, inaugurava-se no mês que abre a janela do novo ano um tempo de ventura e de realizações plenas para a população daquele pequeno, mas progressista município, em que as virtudes do trabalho e da honestidade sobrepor-se-iam aos desmandos e ilegalidades cometidas pelo ex-gestor, no poder havia oito anos.
Não é o que dizia a metade triste! "Nós já conhecemos essa turma". "Diga-me com quem tu andas que te direi quem tu és". "Nós já vimos esse filme". "Acabou o tempo do progresso". "Quatro anos parado no tempo". Esse o teor das conversas nas ruas da pequena cidade, na voz da turma do 22 (o PR dos ruralistas), a outra metade triste.
Iniciou o governo. No início, o normal. Boa parte da turma alegre ocupou os cargos em comissão ou foi contratada sem concurso: candidato a vereador, cabos eleitorais apaixonados, parente da tia do vereador derrotado, puxa-sacos em geral etc. Dizia-se que era necessário atender aos compromissos eleitorais, as tão famosas alianças políticas, defendidas pelo Lula e outros.
Não é que teve até contrato milionário firmado com candidato a vereador derrotado que apoiou o prefeito! Mas foi apenas uma grande coincidência! O importante é que o novo empresário do ramo de limpeza está mantendo a cidade limpa, está gerando emprego e renda e dando sua importante cota de contribuição para o progresso sanitário do município, não é mesmo?!
Novos médicos foram contratados e, para justificar seus altos e justos salários, foi-lhes concedida a benesse de plantões que nunca fizeram e nem poderiam fazer, pois se todos os plantões que constam da folha de pagamento da prefeitura tivessem sido realizados seria necessário que o dia tivesse não 24 e sim 96 horas, mas esse milagre ainda está por acontecer.
Em abril de 2013 foi contratado um microempreendedor especialista em elaborar projetos na área de saúde, pela bagatela de R$ 171.600,00 por serviços a serem prestados até 31/12/2013, o que custa quase R$20.000,00 mensais ao município, sendo que o mesmo profissional trabalhou em município vizinho no ano de 2012, com vencimentos de R$2.991,94 mensais.
E assim iniciou-se o venturoso governo. Trabalho e honestidade! Eis a pauta!
Mas vejam que inusitado, no progressista e rico município o prefeito não dispunha de um veículo oficial para atender as necessidades do gabinete do Chefe do Executivo, sendo certo que o alcaide anterior realizava suas viagens terrestres em veículo próprio, abastecido com verba do erário, o que, embora justo, acabou por lhe acarretar problemas com o tal do Ministério Público.
Necessário era, portanto, corrigir tal distorção, pelo que o ilustre representante do 55 adquiriu um belo e robusto Chevrolet Trailblazer, zero quilômetro, última geração. Resolvido estava pois o incômodo de o senhor prefeito ter de viajar em seu carro particular e muitíssimo justo que o ocupante do cargo máximo no município disponha de conforto e segurança em suas viagens.
Contudo, carros têm que ser emplacados. Inclusive os do município. Placas de veículos contêm letras e números. Pois é nesse ponto que entrou em cena a criatividade e o brilho de alguma mente iluminada da turma da alegria, que, do alto de sua genialidade e sabedoria, sugeriu que se fizesse a reserva de número de placa junto ao DETRAN, para o número 0055.
Tal fato ocorreu no mês de março do corrente. Desde então o veículo oficial do gabinete do prefeito da querida cidade desfila com garbo pelas ruas ostentando o 55 no final da placa, como se a turma da alegria estivesse a dizer à outra metade triste (a turma do 22): "estão vendo, nós vencemos! Nós somos vencedores e vocês perdedores, kkkkkkk! O poder é do 55!
A vitória é pouco, não? Necessário é humilhar o adversário! Necessário é alimentar a chama da discórdia e manter a cidade dividida, afinal de contas o mundo é dividido em bons e maus e nós somos os bons e eles são a encarnação do mal. Eis aí a forma de pensar e de agir da turma da alegria. Ao menos é isso o que eles vêm mostrando até agora, pelos seus atos.
O leitor deve estar pensando: lamentável! Realmente lamentável! O único problema que existe quando se reduz a complexidade das relações humanas ao maniqueísmo do bem e do mal é que ninguém quer ser da turma do mal. Todos sempre pensam que perfilham o exército da turma do bem. Até Hitler, ao determinar a morte milhões de seres humanos, pensou estar fazendo o bem.
Logo se conclui, portanto, que a estratégia da metade alegre é equivocada e infantil. É equivocada porque alimentar a discórdia e a desunião vai gerar somente mais ódio, incompreensão e desavenças e é infantil porque quem hoje está no poder amanhã não está mais. Neste mundo tudo é extremamente fugaz e passageiro. Ingênuo é quem pensa que é importante.
E tem mais! Ao ter a genial ideia de registrar veículo oficial com placa alusiva a número de partido político e alimentar a chama da discórdia de uma campanha eleitoral acirrada, a metade alegre ofende e afronta não apenas a metade triste, mas todos os cidadãos de bem e imparciais da amável cidade, que anseiam por um governo verdadeiramente honesto e imparcial.
Dizem pelas ruas da cidade que o fato foi denunciado ao Ministério Público e o promotor já levou o caso ao conhecimento da Justiça, sendo que o povo agora aguarda a decisão do Poder Judiciário, para que seja corrigida a infantilidade cometida pela metade alegre e o prefeito do trabalho e da honestidade responda à primeira ação de improbidade em seu venturoso governo.
Qualquer semelhança com a realidade, não é mera coincidência.
Jorge Damante – licenciado em História pela Unesp, bacharel em Direito e promotor de Justiça de Canarana