Uma cela na Penitenciária Central do Estado (PCE), a maior unidade prisional de Mato Grosso, chega a ter cinco vezes mais presos do que a sua capacidade. Isso representa uma superlotação de 400% numa área de aproximadamente dois metros e meio por quatro metros, com oito camas. Ou seja, no espaço construído para oito reeducandos na PCE, chegam a ter 40. Essa é a realidade hoje e foi a mesma encontrada por representantes do Ministério Público do Estado (MPE) e do Judiciário que realizaram uma vistoria na PCE em dezembro e já alertavam para possíveis rebeliões.
Além da superlotação, promotores de Justiça da Vara de Execução Penal de Mato Grosso destacam a má administração, saúde precária e falta de unidades para receber detentos do regime semiaberto como motivadores para o caos considerado crônico nas unidades prisionais do estado. “O problema número um do sistema prisional de Mato Grosso é a superlotação. Para se ter uma ideia a PCE tem capacidade para 891 presos e ela está com 2.197. A maioria das celas deveria abrigar no máximo oito detentos e a média varia entre 31 e 40”, conta o promotor de Justiça Rubens Alves de Paula.
Para a promotora de Justiça Josane Fátima de Carvalho Guariente, a superlotação é responsável por todo tipo de discórdia gerada dentro dos presídios. “Formação de grupos criminosos, proliferação de doenças e muitas outras consequências negativas são resultados da insatisfação de presos que precisam revezar um espaço no chão da cela para dormir. Essa situação não faz ninguém melhor, pelo contrário, causa revolta”.
A promotora diz que a lei de execução penal é excelente, porém, em Mato Grosso ela não é cumprida. “Nós temos três regimes, o fechado, o semiaberto e o aberto. Mas, em Mato Grosso, não existe um estabelecimento para abrigar o detento do semiaberto, que seriam as colônias agrícola ou industrial. Ou seja, o preso sai do fechado e vai direto para o aberto, que hoje se resume em uma prisão domiciliar com monitoramento via tornozeleira eletrônica”.
Sobre esse ponto, o promotor Rubens informou que, em 2009, o MPE ingressou com uma ação civil pública, solicitando que o Estado construísse seis Colônias Industriais, sendo duas em Cuiabá, e as outras em Rondonópolis, Cáceres, Sinop e Água Boa. “Nós vencemos em primeira instância, mas o Governo preferiu recorrer da decisão, do que construir as unidades. Só em Cuiabá seriam 1,5 mil vagas, o que sabemos que não resolveria, mas já amenizaria a superlotação do sistema. Daí veio a alternativa da tornozeleira eletrônica, porque um preso que tem direito ao regime semiaberto, não pode ficar no fechado”.
O juiz da Vara de Execuções Penais de Cuiabá, Geraldo Fidelis, também participou da vistoria na PCE, e relata que saiu da unidade abismado com o que presenciou lá dentro. “Mesmo eu já conhecendo a realidade do sistema prisional do Estado, ao visitar o presídio notei que a situação chegou a um extremo. Vi presos sendo obrigados a se espremer entre eles, brigando por um espaço para dormir no chão, é uma cena deplorável, não há quem não se revolte”.
Fidelis disse que enquanto passava de cela em cela, ouviu muitas reclamações dos detentos. “Alguns chegaram a falar que se entrasse mais um preso no espaço, este seria morto, porque não cabe mais ninguém lá. Do jeito que está ali, não há possibilidade alguma de se promover a reeducação de ninguém, e sim mais motins e revolta”.
Para o promotor de Justiça, Rubens Alves, todos os problemas da unidade colaboram efetivamente para o clima de tensão no sistema prisional local. “Para as facções criminosas é ótimo que as unidades estejam superlotadas, porque cada reeducando que entra no presídio é mais dinheiro para os líderes destas organizações”.
Segundo Alves, celular, droga e até um colchão para dormir, tudo é vendido dentro dos presídios e quem não tem dinheiro para pagar, para não sofrer as consequências se alia a uma facção, Comando Vermelho ou Primeiro Comando da Capital (PCC), que o sustenta até que ele saia dali. “O problema é que o preso sai da penitenciária devendo a facção e todo serviço que for designado a ele aqui fora, ele terá que fazer. Ou seja, o sistema do jeito que está, aumenta o exército das organizações criminosas e se torna muito mais perigoso para a sociedade”.
“Hoje há um círculo vicioso no sistema prisional, o homem comete um crime é condenado, vai preso, cumpre um sexto ou dois quintos da pena, dependendo do crime e sai. Sem ter sido trabalhado, “curado”, digamos assim. Amanhã ou depois ele voltará a cometer o crime novamente. Ou seja, ele nunca sai do sistema. Isso explica o percentual de reincidência que ultrapassa a casa dos 70%”, relata Alves.
Ainda segundo o promotor, em Mato Grosso não é realizado nenhum tipo de trabalho com a família do detento, que em sua maioria é abalada pela prisão ou com a repressão por parte da sociedade. “O trabalho de reeducação deve ser feito em âmbitos psicológicos, físicos e profissionais e desenvolvido não só com o preso, mas também a sua família”.
A visita realizada na PCE apontou também que o sistema penitenciário do estado é muito precário no que diz respeito à estrutura, o que consequentemente reflete na saúde dos reeducandos. Na unidade foi constatada a presença de muito lixo, o que atraiu para o local grande concentração de insetos e ratos. Também não há rede de esgoto, o que deixa os dejetos expostos o tempo todo. “A PCE fede, o cheiro daquele lugar é indescritível. HIV, tuberculose, doenças transmitidas por insetos diversos é o que mais tem ali. A saúde é precária, e infelizmente esse é o reflexo se não de todas, mas da maioria das unidades prisionais do Estado”, diz a promotora Josane.
A Secretaria de Estado de Justiça (Sejudh) reconhece a superlotação e diz que o Estado está investindo R$ 63,7 milhões do orçamento de 2016 em quatro novas unidades prisionais. Quando estiverem prontas, somaram mais duas mil novas vagas. A unidade de Peixoto de Azevedo tem inauguração prevista para fevereiro de 2017, seguida da unidade de Várzea Grande, que pela reportagem publicada esta semana pela A Gazeta deve ficar pronta em 2018. Também estão previstas novas unidades em Porto Alegre do Norte e Sapezal.
Uma das ações elencadas no plano emergencial estabelecido pelo Governo em parceria com o Judiciário para melhorar a segurança e a efetividade do sistema prisional do Estado é a aquisição de um sistema para integrar as informações sobre a população carcerária, o que ajudará a reduzir o número de detentos provisórios, que atualmente é maioria nas penitenciárias.