Ralph Michielli, vice-presidente de manutenção da ExcelAire, dona do avião Legacy que se chocou com o Boeing-737/ 800 da Gol, classificou de “inverídicas, absurdas e ultrajantes” as versões de que os pilotos Joseph Lepore e Jan Paladino não responderam às tentativas de contato do centro de controle aéreo (Cindacta-1) porque estavam fora da cabine de comando ou que tenham desligado equipamentos de segurança para “brincar”. Simplesmente, alegam, a comunicação não funcionou.
Na versão que os diretores da empresa norte-americana têm dado em conversas informais no Brasil, foi justamente por falta de comunicação que o avião não reduziu a altitude –fator decisivo para o choque, já que os aviões estavam a 37 mil pés, em sentido oposto.
Sem autorização, Lepore e Paladino não se consideraram aptos a mudar o nível do vôo. Em conversa com a Folha, ontem, Michielli –que estava no vôo– não quis dar entrevista, mas reagiu energicamente contra a versão de que os pilotos poderiam ter desligado o transponder, a antena que transmite dados do avião e faz seu sistema anticolisão “conversar” com o de outros aviões.
“Absolutamente, em nenhum momento eles desligaram [o transponder]. Não apertaram nenhuma vez o botão on-off” no vôo”, disse ele, que já está de volta aos EUA. Outros diretores da ExcelAire que também estavam no vôo e continuam no Brasil, para dar explicações à Polícia Federal e demais autoridades, têm dito que estão “chocados” com as versões publicadas pela imprensa brasileira, que teriam o claro propósito de inocentar a Embraer, a Gol e principalmente o sistema de controle de tráfego aéreo brasileiro, jogando toda a culpa nos pilotos.
Ontem, o vice-presidente executivo da ExcelAire, David Rimmer, também presente no vôo, chorou ao falar com seus advogados, José Carlos Dias e Theo Dias, sobre o acidente.
A explicação da empresa é que um plano de vôo é “um pedaço de papel” sujeito à realidade, muda segundo as circunstâncias e exclusivamente sob orientação ou autorização do controle aéreo. Após tentativas de contato, sem sucesso, os pilotos não se sentiram autorizados a mudar a altitude.
Lepore e Paladino disseram aos diretores da empresa e nos depoimentos já prestados no Brasil que as práticas aeronáuticas nos EUA proíbem mudança de altitude sem conhecimento do controle de radares.
Segundo o Comando da Aeronáutica, no caso de falta de contato, o piloto deveria ter seguido seu plano original de vôo. Um ex-piloto e especialista em segurança de vôo ouvido pela reportagem diz que seria responsabilidade do controle aéreo avisar o Legacy de que ele seguia em rota de colisão com o Boeing. Ou então avisar ao piloto da Gol, já que o argumento é que a torre não conseguiu contato com o Legacy.
O que os responsáveis pela ExcelAire questionam é por que, diante do risco, os controladores não tentaram acionar também o Boeing. Pela lógica, dizem, se um avião não responde, o fundamental é acionar imediatamente o outro.
Segundo os diretores da empresa, os pilotos mexeram no transponder três vezes durante o vôo: ainda em São José dos Campos, para registrar o seu código para os radares, mais adiante, para digitar o “identity code” e confirmar o trajeto e, após o acidente, para acionar o “mayday” (emergência).
Mesmo assim, o Legacy continuou sem comunicação com os radares brasileiros. Só ao contatar um avião que voava acima na mesma região, um cargueiro da PolarAir, também norte-americana, conseguiram uma freqüência de rádio que funcionasse: não com Brasília, mas com a Base Aérea de Cachimbo.
Treinamento
A tripulação do jato passou por treinamento para voar no Legacy antes do acidente com o Boeing da Gol. Paladino teria cerca de 400 horas de experiência de vôo na plataforma 145, da qual deriva o Legacy.
Já Lepore tem uma autorização temporária para voar o jato e que foi expedida pelo FAA, órgão responsável pela regulamentação e fiscalização da aviação civil dos EUA. A autorização temporária é válida enquanto o piloto espera pela chegada do documento permanente e que levaria cerca de 90 dias para ficar pronto.