Quando morreu um famoso jornalista, recentemente, tudo que se leu e ouviu foram elogios ao seu trabalho. Todos respeitaram o morto e não acrescentaram à sua biografia o fato de que vivia viajando e se hospedando por conta de prefeitos e governadores – portanto por conta dos contribuintes – para depois tecer loas às obras de seus benfeitores. E isso não é de agora. Quando cheguei a Brasília, há 33 anos, estranhei muito quando um colega de jornal me contou que ia passar os fins-de-semana no Nordeste ganhando passagens de um senador. Também estranhei quando fui convidado para a chácara de um senador cearense, e lá encontrei uma espécie de clientela de repórteres, que não paravam de elogiar o senador. Durante a semana, beneficiados escreviam em grandes jornais sobre as atividades de seus benfeitores.
Semana passada, o jornalista Josias de Souza contou-me que ele e seu colega Gilberto Dimenstein almoçavam no restaurante do Senado, quando um senador lhes disse que havia conseguido vagas para eles na folha de pagamento da gráfica do Senado. Quando os dois recusaram, foram considerados pelos colegas de mesa como dois seres recém-chegados de outra galáxia. Eu mesmo já tive que recusar relógio de ouro ofertado por deputado e um maço de dólares oferecido, a pretexto de eu ter um bom jantar em Paris, pelo então tesoureiro da campanha de Maluf. Há mais de cinco anos, um deputado de Brasília teve a ousadia de me oferecer um cargo de consultor do legislativo local, pela módica importância de 25 mil reais por mês – e eu não precisaria comparecer à Assembléia.
Por isso entendo por que demorou tanto aparecer tanta patifaria na Câmara e Senado. Quanto a mim, culpo-me por ingenuidade. Ao chegar à Capital, estranhei, mas julguei ser “normal”, parte da cultura do Congresso. Era normal saber que mansões maravilhosas pertenciam a funcionários do Senado. Não era normal indagar a origem do dinheiro. Apenas fazia parte da cultura local. Nunca aceitei presentes e sempre mantive uma distância sanitária do poder. Mas também passei anos sem mexer na podridão, julgando que ela fosse inerente ao “esquema”.
Assim como vieram novas gerações de delegados federais e de integrantes do Ministério Público, também chegaram novas gerações de jornalistas, sem fisiologismo nem ideologia, mas cônscios de seu dever para com a moralidade e a lei. E aí, esses heróis passaram a representar o povo, mesmo não tendo sido eleitos, já que os eleitos para isso só estavam se aproveitando dos privilégios e do dinheiro do contribuinte. Assim como o Diretor-Geral e o Diretor de Recursos Humanos do Senado praticaram o que fizeram porque contaram com a cumplicidade dos senadores, para quem “quebravam galhos”, os desvios dos legisladores contavam com a cumplicidade de jornalistas. As tais passagens nunca foram gastas apenas com parentes, amigos e cabos eleitorais, mas também com amantes e jornalistas.
Nossa reação hoje, uma espécie de revisionismo de nossas atitudes no passado; parece ser o nosso ato de contrição, o nosso arrependimento, por termos ficado do lado errado. Como sempre fui crítico de nossos desvios, e por isso era tachado de reacionário, agora fico à vontade, vendo a verdade finalmente chegar e dar um basta à cumplicidade.