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Lições do inferno

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O Haiti já era um caos antes do terremoto. E ainda deve ficar pior. Ainda morrerão muitos: os que estão sob os escombros, os feridos – de infecções, gangrena, tétano -, e as vítimas da violência. Gangues fugiram do presídio que ruiu e estão armadas e se aproveitando da situação. A fome e a sede estão levando ao desespero e há saques e lutas por comida. E isso que só se tem noticiado o que se passa na capital. Há cidades grandes ainda mais atingidas, como Leogane, por exemplo, que teve 90% de destruição. E há o êxodo desorganizado para a República Dominicana. O vizinho pode ficar assustado e fechar a fronteira.

          Os Estados Unidos, que já ocuparam o Haiti por 20 anos, vêem tudo sob a ótica da segurança e devem mandar 10 mil soldados. Já controlam o aeroporto e isso é necessário, para evitar o caos aéreo. Sarkozy falou com Lula sobre juntarem esforços. A França tem responsabilidades também, já que recebeu o Haiti da Espanha e o dominou até a guerra da independência. E o Brasil tem responsabilidade sobre aquilo que cativa (lembrando "O Pequeno Príncipe "). Crianças haitianas aprenderam o Português com soldados brasileiros que lá estão há cinco anos. Por isso, não é hora, entre Brasil e Estados Unidos, de perder energias com discussão sobre supremacias. A solidariedade só rima com vaidade, mas não combina com ela.

          Nos últimos 200 anos, o Haiti tem oscilado entre situações sem controle e situações de frágil controle. É o país de maior instabilidade política das américas. No entanto, a 500 quilômetros dali, no istmo da América Central, está a mais estável democracia da América Latina, a Costa Rica. Quem tem terremotos e é o país dos vulcões. Mas não tem tragédias, nem pobreza que se aproxime à do Haiti. É um paralelo entre a democracia e a ausência dela. A estabilidade e a tragédia; o bem-estar e a miséria. A paz e a violência. Numa época em que voltam ao palco ridículos tiranetes populistas e autoritários na região, é bom que tiremos lições do Haiti, onde ditador sucedeu a um imperador; presidentes foram assassinados e depostos; o país foi algumas vezes ocupado por nações colonialistas – e a desorganização e a pobreza foram uma constante.

         O Exército Brasileiro está lá naquele laboratório, naquela sala de aula. Voltará enriquecido com a prática da solidariedade e as lições de História, tal como voltou dos campos da Itália.  Muito significava a reação do sargento que ajudou a salvar uma enfermeira haitiana sob escombros. Disse que graças a Deus estava lá, graças a Deus estava passando, graças a Deus pode salvá-la. Não pensou em si, em estar lá num terremoto. Aqui na capital do Brasil políticos agradecem a Deus por receber propina; a deputada religiosa e ex-secretária de Educação fecha a porta antes de forrar a bolsa com dinheiro. Quanta diferença entre o sargento, essa reserva moral, e os políticos do panetone, essa escória moral.

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