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Há dias, a presidente de um dos poderes da República, a ministra Cármen Lúcia, afirmou, acacianamente, que “democracia é o único caminho legítimo”. Por que será que tantas vezes tantas pessoas importantes aqui no Brasil expressam essa obviedade? Não ouço políticos da Alemanha, ou da França, ou da Inglaterra, ou dos Estados Unidos  fazendo apelos pela democracia. Para eles, democracia é tão básico quanto as fundações de uma casa. É a infraestrutura obrigatória para tratarem do que está em cima. Nós, jornalistas, aprendemos na faculdade, que notícia é algo raro, como um homem morder um cachorro. Mas a declaração da presidente do Supremo virou notícia naquele dia.
    
É que aqui não se sabe que democracia é ordem, respeito às leis, limite de direito até onde começam direitos dos outros –  é castigo aos que saem da lei com atitudes anti-sociais, incivilizadas. Aqui se pensa que democracia é cada um fazer o que quer, bagunça geral, primazia do mais espertalhão. Chamamos políticos de ladrões, mas saqueamos até caminhão carregado de papel higiênico, como acaba de acontecer na Bahia, ou furtamos água de um serviço público, como acaba de se constatar em 2 mil casos neste ano na capital do país. São pessoas que na verdade estão furtando de quem paga as suas contas, como os sonegadores roubam não dos governos, mas dos outros contribuintes que arcam com peso maior.
    
O movimento dos camioneiros lançou um grito nacional por intervenção militar – espalhou-se mais rápido que os mesmos gritos que eu ouvia nas igrejas e ruas antes de 31 de março de 64. Perguntaram ao ministro general Etchegoyen sobre esse apelo e ele contou a anedota do bêbedo que havia perdido a carteira num beco escuro mas a procurava sob a luz do poste. “Aqui está claro e eu posso ver.” O general explicou que é clara a posição legalista do Exército; então a procura deve ser onde ainda está escuro. Se a gente procurar no beco vai perceber que é a busca da ordem e amor à Pátria e às leis, que os militares representam. O que perdemos – a ética, a força da lei, a organização, a paz, não teria sido por nossa complacência, nossa alienação, nossa participação e nosso voto?
  
Em outubro vamos votar. Escolher nossos representantes no legislativo e nos governos. Tem gente esperançosa de que isso possa mudar o país. Mas pense que há eleitores que são saqueadores de caminhão, ladrões de água, corruptos, desordeiros que estacionam em lugar proibido. Será que vão votar em alguém que lhes tolha o “direito” de serem anti-sociais? Será que o governador e o presidente vão ter legislativos sensatos e não fanáticos? A verdade é que a mudança precisa começar na base, nas nossas cabeças. Democracia pode exigir muito esforço de nós, até que este país se democratize. Mas, como disse a ministra Cármen Lúcia, não tem alternativa.
 

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