sábado, 5/julho/2025
PUBLICIDADE

Surge documento ilegal de presidente da Câmara beneficiando empresário

PUBLICIDADE

O presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, já divulgou três notas à imprensa sobre a acusação de ele ter recebido, entre março e novembro de 2003, uma propina mensal de 10 000 reais. A propina foi paga pelo empresário Sebastião Augusto Buani, concessionário do restaurante Fiorella, que, até a semana passada, funcionava no décimo andar de um edifício que faz parte do complexo da Câmara, conhecido como Anexo IV. Na sua última nota, divulgada na tarde desta segunda-feira, Severino nega novamente que tenha embolsado um mensalinho de 10 000 reais e, pela primeira vez, rejeita a suspeita mais demolidora sobre sua atuação como primeiro secretário da Câmara – a suspeita de que tenha assinado um documento em abril de 2002 prorrogando a concessão de Buani até 2005, de forma clandestina e irregular. “Como poderia eu ou qualquer outra pessoa assegurar-lhe cinco anos de concessão, sem licitação?”, escreveu Severino. Nesta reportagem, VEJA reproduz, com exclusividade, o documento que Severino garantiu nunca ter assinado – e agora pode lhe custar o mandato.

O documento tem apenas cinco linhas, é datado do dia 4 de abril de 2002 e informa, numa hermética linguagem burocrática, que a concessão seria prorrogada “até 24 de janeiro de 2005”. VEJA submeteu o documento à análise do especialista Celso del Picchia, perito em documentoscopia, em São Paulo. Del Picchia analisou se o documento era verdadeiro, sem montagens, e também se a assinatura de Severino Cavalcanti era autêntica. Em seu laudo de dezesseis páginas, Del Picchia afirma: “Nada pode ser levantado que desabone a autenticidade do documento analisado por este perito”. Com isso, a situação se complica enormemente para o presidente da Câmara – e por três razões. Primeiro, porque ele jamais poderia ter assinado a prorrogação de uma concessão por conta própria. Ao fazê-lo, Severino violou um código legal – o Regulamento dos Procedimentos Licitatórios, que disciplina como deve ser feita a concessão de áreas públicas a empresas privadas dentro da Câmara dos Deputados.

“Severino não poderia prorrogar nenhum contrato sozinho. Ao assinar um documento sem valor legal ele fez isso apenas para enganar o empresário. É chocante, é quebra de decoro parlamentar”, disse o deputado Ricardo Izar, presidente do conselho de ética da Câmara, ao ser informado por VEJA da existência do documento. O segundo complicador é que o documento é uma prova cabal de que Severino mentiu ao dizer que jamais assinou tal papel em sua nota oficial distribuída à imprensa – e a mentira também configura uma quebra de decoro parlamentar. Em terceiro lugar, o documento é um eloqüente sinal de que a relação entre Severino e Sebastião Buani incluía ações obscuras e clandestinas, o que dá ainda mais credibilidade ao relato escrito por Buani, divulgado por VEJA em sua última edição impressa. No relato, sob o título “A História de um Mensalinho”, Buani conta que pagava propina de 10 000 reais para Severino e que, em troca do documento que VEJA agora divulga, pagou 40 000 reais – 20 000 reais para Severino e a outra metade para o deputado Gonzaga Patriota, do PSB de Pernambuco, terra de Severino.

Severino nega tudo. Em entrevista a VEJA, Gonzaga Patriota também negou tudo e disse que mal conhecia Buani – mas, na medida em que o tempo passa e os documentos aparecem, sua memória vai ganhando mais nitidez. Patriota já lembrou até que participou, sim, da elaboração do documento que prorrogou a concessão de Buani. “Como sou advogado, dei orientação dizendo que ele (Buani) tinha direito à renovação. Não sei se eu mesmo fiz ou mandei para ele a fundamentação. Mas não foi nada de Justiça, não. Foi apenas um requerimento administrativo. Fundamentei que ele tinha direito à renovação do contrato de acordo a lei tal, tal e tal… Foi só isso”, explica Patriota. Teriam os 20 000 reais caído no bolso de Patriota a título de honorários advocatícios? “Zero. Ele nunca me deu um centavo. Ajudei apenas por ajudar.” Então, não recebeu nenhuma remuneração? Nadinha? “Na verdade, e só comecei a lembrar disso agora… Eu fiz um favor porque ele empregou algumas pessoas que eu pedi. Foi um favor pagando outro favor.”

Tanto pelo que prova quanto pelo que sugere, o documento de abril de 2002 é um petardo contra Severino. Além de violar uma norma interna da Câmara dos Deputados, ao assiná-lo Severino feriu o artigo 92 de Lei de Licitações, a 8666, na qual tipifica-se como crime beneficiar, sem autorização legal, um detentor de contrato com o poder público. A pena é de dois a quatro anos de cadeia. Se ficar provado que Severino e Patriota arrancaram 40 000 reais do empresário em troca do documento, aí tem-se crime de concussão. Concussão é o nome que se dá à extorsão praticada por um agente público. Dá cadeia de dois a oito anos. O documento assinado por Severino Cavalcanti é uma ilegalidade tão gritante que nem aparece no processo formal da concessão de Buani – em vez disso, ficou escondido nas sombras. “Isso não consta de nenhum dos processos administrativos que trataram da concessão do senhor Buani. Nunca tivemos conhecimento disso”, diz Sérgio Sampaio, diretor-geral da Câmara.

Em “A História de um Mensalinho”, Buani conta que, no dia 4 de abril, já com o documento de Severino na mão, certo de que fizera um grande negócio, resolveu procurar um assessor do hoje presidente da Câmara. Na conversa, percebeu que caíra numa tremenda cilada. O assessor lhe informou que o documento não tinha nenhum valor legal. (VEJA apurou que quem lhe deu a notícia foi o assessor parlamentar José Carlos Albuquerque, que continua no gabinete de Severino até hoje.) A razão da nulidade do papel é simples: no final de 2002, o contrato original de Buani, iniciado em 29 de janeiro de 1998, completava 60 meses – e, pelas regras, nenhuma concessão pode ser renovada por mais do que 60 meses. Logo, se Buani quisesse continuar explorando o restaurante na Câmara a partir de 2003, teria que disputar uma nova licitação. Severino sabia disso. Tanto sabia que, no processo legal do caso, guardado nos arquivos da Câmara, consta que Severino rejeitou o pedido de Buani para prorrogar o contrato até 2005 e mandou fazer uma licitação – conforme prevêem as normas legais. Ou seja: na lambança de Severino, o documento oficial diz uma coisa e o documento clandestino diz o contrário.

Diante disso, a favor de Severino, alguém poderia até alegar que, então, ele violou as normas num documento clandestino mas o tal papelucho clandestino não gerou efeito algum. Ocorre que nem isso é verdade. De público, Severino mandou fazer a licitação, que deveria ocorrer até janeiro de 2003, só que a licitação não foi feita. Por quê? Pelas explicações oficiais, porque a cozinha de um dos restaurantes da Câmara seria submetida a uma reforma e, antes que a reforma fosse concluída, não era possível abrir uma concorrência pública. Diante disso, no início de janeiro de 2003, Severino, num de seus derradeiros atos como primeiro-secretário, prorrogou o contrato de Buani em “caráter excepcional” por mais um ano, até fevereiro de 2004. Lembre-se: durante todo o ano de 2003, enquanto desfrutava do seu “caráter excepcional”, Buani diz que pagou uma propina mensal de 10 000 reais a Severino. Afirma, em seu relato escrito, que os desembolsos começaram em março e, por falta de recursos, foram interrompidos em novembro de 2003. E o que mais aconteceu em novembro de 2003? Finalmente, começou a reforma da cozinha! Sim, a reforma da cozinha que impediu a licitação em janeiro de 2003 só começou a ser feita em dezembro daquele ano – ano durante o qual a propina de 10 000 reais correu solta.

Com a divulgação do relato de Buani sobre a propina paga a Severino, publicado na última edição de VEJA, duas fontes que deram informações à revista sob a condição de ter suas identidades preservadas decidiram aparecer. A testemunha-chave é o estudante de direito Ezeilton de Souza Carvalho, 33 anos, casado e pai de dois filhos. Carvalho trabalhou com Buani durante três anos. Até quinta-feira passada, ele era gerente-executivo e braço direito do empresário no restaurante Fiorella. “O relato minucioso das propinas foi escrito a mão pelo Buani e digitado num dos três computadores do escritório da empresa, que fica no 9º andar do Anexo IV da Câmara, no final de julho. Eu ditei o texto e a Jucilene (refere-se a Jucilene Maria Matias, secretária de Buani) redigiu no computador”, diz Carvalho. “Em seguida, Buani rasgou o manuscrito, imprimiu o texto que digitamos e foi ameaçar o Severino.” Ontem à noite, em depoimento sigiloso a quatro parlamentares da oposição que acompanham o caso, Carvalho confirmou o que disse a VEJA. Ele está agora, nesta tarde, preparando-se para prestar depoimento à Polícia Federal para relatar o que sabe sobre as propinas pagas por Buani a Severino.

Outra testemunha é o empresário Marcelo Percia, 42 anos, sócio de Buani em um restaurante no shopping Pátio Brasil, de Brasília, entre fevereiro e agosto de 2003. Percia sabe dos bastidores de um dos casos mais explosivos relatados por Buani em seu diário do mensalinho – o de que chegou a pagar uma fatura do cartão de crédito de Severino. Percia conta que, no período em que foi sócio de Buani, o empresário lhe pediu que pagasse uma fatura do cartão de crédito de Severino no valor de cerca de 8 000 reais. “Não lembro exatamente se o mês era março ou abril de 2003. Mas lembro do valor, porque era alto. E lembro do titular, porque Buani me disse que era um deputado a quem ele devia um favor. Mas ninguém me disse que o cartão era do deputado Severino Cavalcanti. Sei disso porque eu tive a fatura nas minhas mãos. O cartão era do Banco do Brasil. Só não paguei porque tive um desentendimento financeiro com o Buani. Ele pegou a fatura e foi embora p…da vida.”, diz Percia. Segundo o relato de Buani obtido por VEJA, o cartão de Severino foi pago por meio de um cheque seu numa agência bancária de Brasília. “Foi descontado pelo motorista do deputado na agência Bradesco 0241 com a gerente do banco cujo nome é Jane.” A gerente do Bradesco é Jane de Albuquerque, que hoje trabalha no Sudameris.

COMPARTILHE:

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

Mais notícias
Relacionadas

MP constata precariedade no saneamento em escolas de 20 municípios de Mato Grosso

Uma realidade alarmante foi constatada nas fiscalizações realizadas pelo...

Últimos vagões do VLT são transferidos de Mato Grosso

A secretaria de Infraestrutura e Logística informou que os...

Jucemat repudia mudanças da Receita Federal na abertura de CNPJ; ‘retrocesso’

O plenário da Junta Comercial de Mato Grosso (Jucemat)...
PUBLICIDADE