Um novo regime fiscal com prazo de validade de 20 anos poderá entrar na Constituição brasileira. A proposta, encaminhada pelo Executivo à Câmara dos Deputados em 15 de junho, começará a ser discutida no Senado em agosto. A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) deverá realizar, no próximo mês, audiência pública para debater a PEC 241/2016, que prevê a fixação de limite individualizado para a despesa primária total dos três Poderes, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União.
Autores do requerimento para a realização da audiência, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) argumentam que essa significativa alteração no regime fiscal do país deverá ter grande impacto na execução de políticas e programas sociais. Além disso, acrescentam, a própria capacidade de investimento público nacional poderá ser afetada.
Os convidados para o evento são dois técnicos do Ministério da Fazenda: Mansueto de Almeida (secretário de Acompanhamento Econômico) e Marcos Mendes (chefe da assessoria do ministro); e dois professores de economia: Laura Carvalho, da Universidade de São Paulo (USP), e Pedro Paulo Zahluth Bastos, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A data do debate deverá ser anunciada por Gleisi, que é presidente da CAE, no início de agosto.
Regra
A essência da proposta consiste na atualização da despesa primária de 2016 pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e sua utilização como limite no exercício de 2017. Para os 19 exercícios seguintes, a regra é sempre a atualização pelo IPCA da despesa do ano anterior e a aplicação do resultado como o limite para o ano corrente.
A PEC veda ao Poder ou órgão que descumprir o limite a concessão de vantagem, aumento, reajuste ou readequação de remuneração de servidores públicos. Também ficarão proibidas a criação de cargo, emprego ou função, bem como a realização de concurso público.
Se o Poder que desrespeitar o limite for o Executivo, serão aplicadas duas vedações adicionais: a despesa nominal com subsídios e subvenções econômicas não poderá superar aquela realizada no exercício anterior; e ficará vedada a concessão ou ampliação de incentivo fiscal.
Saúde e educação
Um dos pontos mais questionados por senadores na CAE é a extensão aos recursos mínimos de saúde e educação, hoje com critérios próprios definidos na Constituição, da regra geral aplicável às demais despesas primárias. Pelo texto atual da Constituição, os recursos da saúde correspondem a 15% da receita corrente líquida da União e os da educação, a 18% da receita de impostos.
Ao enviar a proposta ao Congresso, o governo evitou estabelecer qualquer limite como um percentual da receita ou do PIB. Na Alemanha, cuja dívida pública aumentou muito após a reunificação com a antiga Alemanha Oriental, a limitação por um percentual do Produto Interno Bruto (PIB) ajudou o país a cumprir as exigências da União Europeia (veja matéria).
Na exposição de motivos que acompanha a PEC, os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, afirmam que essas duas métricas — percentuais da receita e do PIB — permitiriam uma expansão mais acelerada do gasto durante os momentos positivos do ciclo econômico, ao mesmo tempo em que exigiriam ajustes drásticos nos momentos de recessão.
Nos casos da educação e saúde, especificamente, Meirelles e Oliveira afirmam que esse tipo de vinculação cria problemas fiscais e é fonte de ineficiência na aplicação de recursos públicos. Para os ministros, a regra não impede que os parlamentares definam no Orçamento da União despesa mais elevada para saúde e educação, "desde que consistentes com o limite total de gastos".
Exclusões e resultados
A PEC, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, exclui do limite algumas categorias de despesas. É o caso das transferências feitas a estados e municípios como repartição de receitas. Também se excluem créditos extraordinários para lidar com situações atípicas, como calamidades públicas; capitalização de empresas estatais não dependentes e financiamento de processos eleitorais.
Os dois ministros notam que o novo regime será anticíclico: uma trajetória real constante para os gastos, associada a uma receita variando com o ciclo, resultará em maiores poupanças nos momentos de expansão e menores superávits em momentos de recessão. Essa é pelo menos a essência do regime fiscal anticíclico defendido pela equipe econômica.
A expectativa é de que o crescimento real zero a partir do exercício subsequente ao da aprovação da PEC levará a uma queda substancial da despesa primária do governo federal como percentagem do PIB. Os ministros da Fazenda e do Planejamento esperam com isso mudar a trajetória do gasto público federal, que apresentou crescimento médio anual de 5,8% no período de 1997-2015.