A quitação antecipada da dívida do Brasil com o Fundo Monetário Internacional vai permitir, pela primeira vez em seis anos, que o setor público reduza sua participação na dívida externa brasileira –aumentando, conseqüentemente, o peso que o setor privado tem sobre o endividamento.
No final de 2000, o governo respondia por 48,5% de uma dívida externa total de US$ 236,2 bilhões. Em dezembro de 2004, a dívida recuara para US$ 201,4 bilhões, mas a participação do setor público havia crescido para 65,7%.
Neste ano, graças a US$ 23 bilhões pagos ao FMI, incluídos os US$ 15,5 bilhões anunciados na semana passada, esse quadro se reverteu: o peso do governo no endividamento já havia caído para 64% até junho e deve se reduzir ainda mais até o fim do ano.
Nos últimos anos, o setor privado também reduziu seus compromissos externos, pois, aproveitando a queda do dólar, muitas empresas quitaram empréstimos tomados no mercado internacional.
Entre 2000 e 2004, a dívida externa do setor privado caiu de US$ 121,6 bilhões para US$ 69,1 bilhões. Neste ano, porém, a queda do endividamento do governo foi mais acelerada, devido ao dinheiro pago ao FMI.
Provável candidato à reeleição em 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve destacar o fim da dívida com o FMI como um dos pontos positivos da política econômica do governo, embora os efeitos da medida ainda sejam um pouco controversos.
“Do ponto estritamente financeiro, foi positivo”, diz o economista Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Para ele, não deixa de ser bom o fato de o país se livrar do pagamento de aproximadamente US$ 900 milhões em juros que seriam devidos ao FMI nos próximos anos, caso o pagamento da dívida não tivesse sido antecipado.
Gonçalves afirma, no entanto, que a própria renovação do entendimento com o Fundo, em 2003, foi desnecessária — e que, portanto, haveria pouco para se comemorar agora. “Lula gastou, entre 2003 e 2005, US$ 2,7 bilhões com esse acordo com o FMI. E para fazer o quê? Absolutamente nada”, diz o economista, referindo-se aos encargos pagos pelo governo ao fundo nos últimos anos.
Para o professor, o governo poderia ter aproveitado melhor o forte crescimento apresentado pela economia mundial para reduzir ainda mais sua dívida externa — que, após o pagamento ao FMI, ficará próxima de US$ 100 bilhões. “Mas o governo continua captando no exterior a taxas altíssimas. Os juros pagos pelo Brasil [que tem variado de 8% a 10% ao ano, em dólar] estão entre os cinco maiores do mundo.”
O economista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, concorda que o pagamento feito ao FMI deve ser um trunfo do governo nas eleições. “O ganho eleitoral é muito forte. Mas o impacto na economia é neutro, porque o BC conta com um fluxo bastante positivo no balanço de pagamentos.”
O dinheiro pago ao FMI sai das reservas internacionais do país, que, com a antecipação, devem cair para perto de US$ 52 bilhões. Mas, segundo Lintz, essa queda não será problema para o governo, pois o BC segue com a política de comprar dólares no mercado de câmbio e recompor sua poupança em moeda estrangeira.