Adversários nas eleições de 2002, o governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), e a prefeita de Santarém, Maria do Carmo Martins (PT), serão aliados contra um adversário comum: o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), o “Rei da soja”, que articula um consórcio entre os produtores de soja do Centro-Oeste para garantir o asfaltamento da rodovia Santarém-Cuiabá (BR-163).
Não haveria nenhum problema na empreitada dos produtores de soja, que deve ser a primeira Parceria Público-Privada (PPP) do governo Lula, se Maggi não defendesse abertamente o asfaltamento da BR-163 somente no trecho entre a divisa do Mato Grosso e o distrito de Miritituba, em Itaituba, excluindo Santarém, a maior cidade do Baixo Amazonas.
O objetivo de Blairo Maggi e seus aliados em não levar o asfaltamento até Santarém é alijar do disputado mercado internacional da soja a multinacional Cargill, que já se instalou em Santarém, onde mantém um terminal graneleiro, um dos principais concorrentes dos produtores do Mato Grosso. “Não há hipótese de se excluir Santarém do asfaltamento da rodovia BR-163”, afirma Simão Jatene, que já se posicionou oficialmente sobre a proposta de Blairo Maggi, ao final do ano passado, em reunião presidida em Brasília pelo ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes.
Mas o lobby dos produtores de soja do Mato Grosso permanece forte, principalmente porque Blairo Maggi é um dos principais aliados do ministro Ciro Gomes em sua briga com o deputado federal Roberto Freire (PPS-PE) pelo controle do PPS.
Coube a Ciro Gomes a montagem da estratégia de financiamento para que o consórcio da soja, liderado por Blairo Maggi, inicie o asfaltamento da Santarém-Cuiabá ainda este ano. Os recursos para a execução das obras – mais de R$ 400 milhões – poderão vir dos fundos constitucionais do Norte e do Centro-Oeste e de financiamentos subsidiados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Pelo que ficou definido em reuniões realizadas em Brasília, o consórcio dos produtores de soja receberia recursos públicos para a execução das obras e teria direito a cobrar pedágio dos veículos que trafegassem pela Santarém-Cuiabá por um período de 20 anos.
O governo Lula quer usar o asfaltamento da Santarém-Cuiabá como projeto-piloto das Parcerias Público-Privadas (PPP). Sem verbas orçamentárias para investimentos em obras de infra-estrutura, o governo federal quer que a iniciativa privada assuma a execução da obra. Mas não é bem assim. Os maiores interessados no asfaltamento da rodovia são os produtores de soja do Centro-Oeste, liderados pelo governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, e os empresários do setor eletroeletrônico da Zona Franca de Manaus, que poderiam escoar a produção do Distrito Industrial amazonense de Manaus até Itaituba (PA), e daí, pela Santarém-Cuiabá, até os mercados do Sul e Sudeste. Maggi, o maior plantador individual de soja do Brasil, defende o asfaltamento da BR-163 do trecho que vai da divisa do Mato Grosso com o Pará até Itaituba, às margens do rio Tapajós. De lá, a soja do Centro-Oeste seria escoada em navios de grande porte, que ganhariam os mercados asiático e europeu descendo pela calha do rio Amazonas até o Atlântico.
Uma novela de três décadas
O governo federal está escrevendo mais um capítulo de uma novela que começou há três décadas: o asfaltamento da rodovia BR-163, a Santarém-Cuiabá. À semelhança da Transamazônica, a estrada é um projeto da época do Brasil Grande. Concebido durante a ditadura militar, há muito tinha sido abandonado. A expansão da soja na região e a necessidade de escoamento da colheita resgataram a BR-163 do esquecimento. E isso vai mudar radicalmente o rumo dessa história.
Agora, quem acompanha a novela vai deixar de se preocupar com o futuro da estrada e passar a prestar atenção sobre o futuro da floresta que ela corta. O asfalto certamente facilitará o transporte da soja, mas também a chegada de mais pessoas à região, abrindo novas frentes de atividade econômica. Estudos sobre o impacto ambiental que o asfaltamento pode provocar indicam que ele tem o potencial de causar, num espaço de apenas 20 anos, o desmatamento de 30% a 40% da Amazônia. “Construir essa estrada significa fazer com que o meio ambiente e o desenvolvimento caminhem juntos”, defende a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Tomara.
Nas audiências públicas em municípios da Área de Influência da rodovia – Guarantã do Norte (MT), Novo Progresso e Santarém (PA) –, governo e população discutiram o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (Rima) para o licenciamento prévio da obra, além do plano de políticas complementares ao asfaltamento da BR-163 feito pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), integrado por representantes de 14 ministérios do governo Lula.
O governo federal colocou em discussão, nas audiências públicas, um Plano de Desenvolvimento Sustentável para a região, que prevê medidas para compensar o impacto socioambiental que o asfaltamento da rodovia provocará em vastas porções de floresta tropical úmida amazônica ainda intocadas. As comunidades e organizações ambientais elogiam o processo de discussão em torno do asfaltamento da Santarém-Cuiabá, mas fazem ressalvas quanto à sua eficácia. “O plano revela apenas a vontade de fazer diferente”, pondera a pesquisadora Ane Alencar, do Ipam, destacando que o documento do governo precisa transformar prioridades em ações concretas. “Não dá para solucionar todos os problemas, mas pelo menos os mais urgentes”, opina.
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Governador do Pará pressiona Maggi contra BR-163
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