O roubo de veículos cresce em Mato Grosso, com a ação de quadrilhas especializadas, que já se voltam para veículos pesados: carretas, caminhões e tratores. Estes são a principal moeda de troca que fomenta o tráfico internacional de drogas na fronteira com a Bolívia. O grande número de receptadores de peças automotivas, em comércios e oficinas especializadas em desmanches na capital e no interior, também contribuem para o crescimento do crime. Somente o policiamento da fronteira, impedindo que os veículos cruzem para a Bolívia e voltem convertidos em carregamentos de droga, e a repressão aos receptadores de peças, pode reduzir os crimes. A rentabilidade dos grupos estruturados é grande e algumas quadrilhas tem as ações comandadas de dentro de presídios, como já comprovou a polícia civil do Estado. Um caminhão chega a ser trocado por até 20 quilos de pasta base de cocaína, rendendo ao traficante R$ 300 mil com a venda do lote de droga no atacado para região Sudeste do país. Uma caminhonete importada é trocada por 7 ou 8 quilos de cocaína, em um mercado onde o valor do escambo oscila conforme a facilidade que as quadrilhas tem de concluir as operações com sucesso.
O delegado Roberto Amorim, titular da Delegacia Especializada de Repressão a Roubos e Furtos de Veículos Automotores (Derrfva) de Cuiabá, garante que são muitos os fatores que fomentam o roubo e o furto de veículos, principalmente na região metropolitana de Cuiabá. Várzea Grande, segundo ele, lidera hoje nos roubos, incluindo as motocicletas, caminhonetes e caminhões, conforme registros de ocorrências. Entre janeiro e setembro deste ano foram 149 roubos de motos em Várzea Grande contra 128 em Cuiabá. Foram 11 roubos de caminhões em Cuiabá contra 29 em Várzea Grande, no mesmo período.
Para coibir os crimes a equipe da Derrfva, que atua em todo o estado e é composta por 35 membros, tem intensificado a ação nos comércios de ferros velhos, oficinas e autopeças. Segundo Amorim, a partir das investigações, este ano já foram desarticuladas pelo menos 10 quadrilhas que comprovadamente atuam como receptadores e a revendedores das peças. Alguns têm preferências por motores, outro por acessórios (ar-condicionado).
Os veículos, tão logo são roubados, são entregues em desmanches localizados dentro do perímetro urbano, em pontos estratégicos. Em média, os ladrões desmancham uma motocicleta em 30 minutos e um automóvel entre 90 e 120 minutos. Nos casos das motocicletas a dificuldade da polícia em identificar as peças é maior, pela falta de numeração nos componentes que existe nos veículos.
Mas a evolução tecnológica da indústria automobilística é acompanhada de perto pelas quadrilhas. No caso das que atuam diretamente no roubo de carretas e cargas, os criminosos já conseguem, em muitos casos, desativar os rastreadores usados pelas transportadoras para dar as coordenadas dos veículos.
Amorim ressalta que o crescimento econômico da Bolívia, com as obras de construção civil, tem aquecido o comércio de veículos no país. A procura por caminhões e tratores aumentou e os criminosos tem buscado atender a demanda pelos produtos, fato comprovado pelas estatísticas da delegacia.
Segundo ele, o crime se adapta. Quando aumenta a repressão na fronteira, impedindo a passagem dos veículos roubados, o mercado do desmanche se aquece. Na opinião do delegado Antônio Garcia de Matos, que durante anos atuou na Deerfva, o receptador é o “câncer”, o principal responsável por este crime. Tanto faz se é traficante e receptador ou comerciante de autopeças e receptador. Na opinião dele, as penas para a receptação dolosa deveriam ser iguais as do tráfico, pois é ela quem fomenta os roubos e furtos de veículos.
Em julho, investigações da Deerfva resultaram na prisão em flagrante de Laerte Dias Sanches, 27, que carregava três quilos de cocaína. Ele vinha sendo monitorado há vários dias, quando foi preso na rodovia Emanuel Pinheiro, que liga Cuiabá a Chapada dos Guimarães. Ele é considerado um dos maiores atravessadores de carretas roubadas do Estado para a Bolívia. Laerte era responsável por todo o trâmite de atravessar carretas e também veículos menores para fora do país e fazer o contato com os compradores e é um dos cabeças do negócio. Laerte já respondia por formação de quadrilha, roubo e porte ilegal de arma. Cumpria pena no crime de roubo no regime semi-aberto. Há denúncias de que ele seja membro do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que atua no Sudeste do país.
Outra prisão importante aconteceu em outubro, quando um casal e um adolescente de 16 anos foram presos no momento em que roubavam um caminhão e faziam o motorista como refém. A polícia acredita que o grupo está por trás de pelo menos outros 3 casos recentes de roubos de veículos de cargas. Em todos, a forma de agir era a mesma. Os motoristas ficaram em cativeiro por cerca de 24h. Foram presos Burt Lancort da Silva Menezes, 32, Sidinéia Urbano de Arruda, 36, e o adolescente. Burt, condenado por tráfico, estava em regime semi-aberto.O grupo especializado no “golpe do frete” trocava os veículos roubados por drogas, na Bolívia. O adolescente receberia R$ 1 mil para levar a arma e assumir a “bronca”, caso o grupo fosse pego.
Amorim lembra que as quadrilhas são organizadas de forma que cada membro tem uma função, que vai desde a ação do roubo ou furto, passando pelo transporte até a troca pela droga e o tráfico propriamente dito. Investigações apontaram para ações comandadas de dentro de presídios do estado, onde todas as “coordenadas” eram dadas aos membros por quem deveria estar longe das ações criminosas. Em uma conversa gravada entre um chefe de quadrilha e uma “isca”, a mulher explica inclusive as roupas que veste para atrair “o babaca”, que seria a vítima. Diz que não usa mais mini-saia, mas roupas sérias de “evangélicas”, para não levantar suspeita do motorista. Pelo telefone recebe orientações sobre a compra de armas e o tipo de veículo a ser roubado, e como proceder na troca pela droga, já em solo boliviano. Nas conversas, que contribuíram para a desarticulação de uma das quadrilhas, fica claro que os grupos têm uma ação intensa, sem intervalos, e tão logo falha um ataque, outro roubo é planejado e ocorre em seguida. Não há descanso no mundo do crime, garante Amorim.
Mais do que o combate ao roubo e ao furto, é fundamental a mudança da legislação em relação as penas para a receptação, bem como uma fiscalização mais intensa em relação ao comércio de peças usadas, finaliza Roberto Amorim.