O esquema de sobrevalorização de cartas de crédito, desbaratado após ação da Polícia Civil, foi classificado por um dos delegados encarregados pela investigação como “maior do que o Mensalão”. A análise de Carlos Fernando Cunha foi feita com base nos valores que envolveram a fraude, aproximadamente R$ 500 milhões.
Após a conclusão do inquérito, que resultou no indiciamento de 20 pessoas, Cunha e o também delegado Roger Jarbas, falaram sobre alguns aspectos da suposta organização criminosa, que envolveu procuradores, secretários, ex-secretários, advogados e um deputado estadual. “Houve a composição de um grupo criminoso que possibilitou esta sobreposição de preços. Isso só foi possível porque os integrantes estavam espalhados por vários setores da administração”, afirma Jarbas.
Os delegados esclareceram que partes do inquérito, sigilosas, não foram reveladas, atendendo decisão judicial. “Não houve cerceamento de defesa, os advogados tiveram acesso aos inquéritos e os áudios que subsidiam as investigações foram preservados. Só foi divulgado o que realmente era público”, confirma Cunha.
Entre os indiciados estão o deputado estadual Gilmar Fabris (PSD), a companheira dele, Aglisey Battini Volcov, o chefe do Escritório de Representação de Mato Grosso em Brasília, Eder Moraes Dias, pelos crimes de violação de sigilo funcional, falsificação de papéis públicos e formação de quadrilha.
Dos 20, seis foram indiciados por falsificação de papéis públicos. Entre estes, estão o ex-secretário de Fazenda, Edmilson José dos Santos, e a procuradora-geral do Estado em substituição à época dos crimes, Maria Magalhães Rosa.
De acordo com as investigações, o grupo vitimou 255 agentes da administração fazendária, além do Estado, com a emissão sobrevalorizada de certidões de crédito, vendidas posteriormente à empresas que tinham dívidas com o Estado e usavam os papéis para o pagamento.
O esquema começou a ser montado no ano de 2008, por conta de um acordo entre o Estado e Agentes da Administração Fazendária (AAF) para o pagamento de dívidas trabalhistas. Pelo acordo, seriam expedidas duas certidões de créditos aos servidores, mas a quadrilha conseguiu a emissão de 7, 4 sem o conhecimento dos agentes.
As certidões foram retiradas por representantes legais constituídos pela categoria, sem que houvesse conhecimento dos verdadeiros titulares. Para conseguir realizar o desfalque milionário, o grupo criminoso realizou, segundo os delegados da Delegacia Fazendária, uma série de ações. “O primeiro [ato] deles foi inserir no imaginário dos AAF que um acordo com o Estado de Mato Grosso seria mais viável do que aguardar a execução da ação ordinária 30.884/96”.
Conforme as autoridades policiais, os cálculos das certidões de créditos foram sobrevalorizados de forma dolosa e tiveram homologação sem qualquer conferência, tanto pela Procuradoria-Geral do Estado como pela Secretaria de Estado de Fazenda. “Foram lineares, sobrevalorizados e desconsideraram o histórico funcional de cada agente”.
Após conseguirem a emissão das certidões fraudulentas, os integrantes da quadrilha negociavam os papéis com as empresas. Mais de R$ 271 milhões, de um total de R$ 647 milhões foram utilizados por 334 empresas em processos de compensação junto à Secretaria de Estado de Fazenda de Mato Grosso, sendo R$ 96.271.228,26 por apenas 12 delas.
Com a falsa promessa de que intermediaria a negociação entre o Sindicato dos Agentes da Administração Fazendária de Mato Grosso (SAAFMT) e o Estado de Mato Grosso foi colocado à frente de todas as medidas relacionadas à Ação Ordinária 30.884/96. Mas, conforme ficou apurado, “seu papel era encobrir as ações de Gilmar Donizete Fabris, servindo de ‘testa de ferro” do referido deputado”. De acordo com a investigação, o advogado Ocimar Carneiro de Campos, casado com a irmã de Anglisey Battini Volcov, companheira de Gilmar Fabris, foi peça fundamental na ação criminosa.
O inquérito será analisado pelo Ministério Público Estadual para eventual oferecimento de denúncia.