sexta-feira, 19/abril/2024
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Tchau Julier!

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Uma das grandes virtudes do ser humano é saber reconhecer o momento de parar. De entender que já cumpriu sua missão, já está feito, marcou e demarcou sua área, plantou sua árvore, já procriou e já vai traçando as linhas do arcabouço profissional a ser eternizado. O juiz da 1ª Vara da Justiça Federal, Julier Sebastião da Silva, é um exemplo muito marcante desse princípio. Ele já fez de tudo em Mato Grosso, tudo o que um magistrado de sua grandeza poderia fazer. Agora, é preciso reconhecer que já começou a atrapalhar, enfiar os pés pelas mãos e cometer atos que nenhum cidadão espera de um magistrado: a injustiça e o desrespeito aos mais elementares princípios da dignidade humana.

A carreira de Julier Sebastião é notável sob todos os aspectos. Sua origem jurídica, se me permitam aqui relembrar, é do movimento eclesiástico de base, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), onde defendeu com unhas e dentes o direito daqueles que lutaram pela implantação da reforma agrária no Brasil, combateram com ferocidade o latifúndio improdutivo, espoliativo, aquelas terras enormes a serviço da especulação imobiliária. Bons tempos da Pastoral da Terra. Luta que até hoje prossegue.

Só por ai, Julier já seria um ser notável. Porém, sua capacidade e coragem exigiam mais do ser. E começou a surgir com brilho estrelar o magistrado federal Julier, carregando a marca que o fez notabilizar no movimento eclesiástico: coragem para enfrentar os grandes e poderosos, lançando mão apenas de sua inteligência, sem armas, sem nada. Quase humanista. Naquela época, Mato Grosso estava atônito com o assassinato do juiz Leopoldino Marques do Amaral. Ao lado do procurador José Pedro Taques, hoje em São Paulo – e logo em Brasília – Julier tentou e procurou contribuir por todos os meios para fazer o “Judiciário dos Sonhos”.

E o tempo passou! Sempre com decisões polêmicas, de forte apelo popular, Julier caiu no gosto da imprensa e virou figura a ser procurada pelos holofotes. Destemido, desalojou de Mato Grosso o chefe o crime organizado, João Arcanjo Ribeiro, e destruiu aquele “império” constituído de factorings, jogos de azar e outros mais. Por tabela, mexeu no jogo decisivo da política, o esquema de financiamento de campanha. Ficou querido de grande parte da sociedade.

Mas não se deu por satisfeito: partiu para cima dos espoliadores do patrimônio público ambiental com uma operação que prendeu gente para tudo que é lado. Autoridades públicas algemadas, funcionários públicos corruptos presos, atravessadores, despachantes, enfim, quase não sobrou pedra sobre pedra no território dos negócios da madeira. Escritórios de advogados invadidos, profissionais presos, hoje integram o cartel de ações do juiz. Cidades quase fecharam e muitas ainda vivem o caos social. Milhares de pais de famílias estão desempregados. Em tudo, o que se mediu foi apenas o tamanho da repercussão.

Julier Sebastião da Silva, o magistrado de Mato Grosso, atuou sempre com mão limpa e de ferro. E começou a se julgar acima de tudo. Prerrogativas dos advogados foram violadas, a individualidade do cidadão jogada no canto, a Constituição Federal passou ao largo. A dignidade humana é um aspecto fora de evidência nos conceitos do juiz, a julgar pelos seus atos. Nos seus anos de magistratura, o juiz federal foi implacável ao assinar mais de 200 mandados de prisão, dos quais, a grosso modo, pode-se dizer sem erro: menos de 15 pessoas estão presas, e mais de 100 sequer chegaram a ser denunciadas pelo Ministério Público Federal. E não adianta culpar os advogados. Mas tudo bem, valeu a pena! Nunca Mato Grosso ficou tão em evidência, nunca tantos crimes foram denunciados, embora os resultados ainda sejam tímidos.

Mas agora parece que a coisa degringolou de vez. Prender por ouvir falar já é demais. Julier começa a cometer injustiças na sua sanha interminável de ver políticos, autoridades e funcionários públicos sendo algemados para as câmeras de televisão. E quando a coisa chega a esse nível, é bom parar. É hora de recolher a bagagem, magistrado. Por aqui, o juiz federal já fez o que tinha que ser feito. Prender na suposição por satisfação não pode mais prosperar. O cidadão não pode viver sob a sombra do medo. Perdeu-se o centro. As pedras já rolaram o que tinham que rolar!

Não temo em errar: o Brasil está perdendo um grande magistrado. Ou melhor: Brasília está perdendo um juiz de primeira linha. Por aqui, agora, hoje, Julier é subutilizado, está a mercê dos erros pela vontade de fazer. Tenho por certo que na Capital Federal, onde as mazelas do país são assustadoras, onde as instituições estão a beira do caos promovido pela corrupção, o nosso magistrado seria de muito mais valia.

Então, em nome das garantias constitucionais do povo daqui, em nome das prerrogativas dos advogados e do respeito a individualidade humana, é hora de dizer: “Tchau, Julier!”.

Francisco Faiad é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso

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