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Showdré

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“Sodrezinho não morreu.
Caminha na imaginação.
Deixa pegadas de versos.
Vive de (e para a) poesia.
Mas, pra mim, tudo seria
fácil se não fosse tão físsil”

A intensidade da existência. A perplexidade da ausência. A existência da ausência. Mas pode ser a ausência da existência. Sendo intenso, já compensa. Tudo isso nos deixa perplexos. Menos para Antonio Sodré. Para o Sodrezinho tudo era difácil (ou seria tudo mais fácil, se não fosse tão físsil). Intensidade em versos curtos que poderiam significar muito. “Marlene, Marlene, você mora no meu coração”. É um blues. Pode ser cantado para qualquer mulher: Joanas, Patrícias, Eunices, Marias. Basta repetir, especialmente no violão de um ou dois acordes, e na voz estridente do Sodrezinho. Pronto. Ali tem-se uma declaração completa de amor – ainda que amor incompleto, repleto ou de boteco.
Existência consciente – e vanguardista – em outro blues: “Meu lado humano não acompanha o tecnológico / Ciência, sem consciência…”. No último sábado, perdi a consciência, quando li, já de noite, que Antonio Sodré, o Poeta da Transmutação, havia partido, fazendo o que mais sabia fazer: poesia. Reminiscências. Fechei os olhos e o vi recitando, cantando, dançando, vendendo livros usados nos corredores da UFMT, na década de 90, nos eventos culturais que fazíamos quando fui do DCE, os chamados happy-hours, com sotaque cuiabano. Desde que sai da UFMT, via-o muito pouco. Algumas vezes caminhando entre o Pedregal, via Jardim Itália, e a Uniselva. Uma vez parei e ofereci-lhe carona. Aceitou. Noutra, recusou, dizendo que queria caminhar. Caminhante! Devagar, pari-passu com o próprio caminho. Onde vai dar? Ah, essa nossa mania que desejar tudo sob nosso controle! Apenas caminha, o caminhante!

A partida do Sodrezinho me impede de realizar um dos meus grandes sonhos; organizar um show baseado na sua existência, que se chamaria Showdré. Abrem-se as cortinas. Canhões de luz são lançados sobre o centro do palco. A banda inicia um blues. Só o baixo ponteia. Entra a voz do Sodrezinho, mansa, com o palco vazio. “Meu lado humano / Meu lado humano / Meu lado humano…”. Depois entra o Sodré, e nesse quadro a banda para. Sodré deixa a música de lado e recita um de seus versos. Ao fundo, com uma luz secundária, seu irmão Adir inicia uma das suas fabulosas performances diante da tela branca. Começa o show do Antonio Sodré. Começa assim o Showdré que sonhei…
Mas ele partiu. Sem ele, o show que imaginei não é possível. Já tinha lhe contado desse meu sonho, nos tempos da UFMT. Perdão, amigo. Carregarei o peso dessa promessa não cumprida.

Leio no blog Tyrannus Melancholicus (http://tyrannusmelancholicus.blogspot.com/) que Sodré se foi caminhando em sua poesia, intenso. Enfartou quando escrevia: “Nada a ver / Tô sem TV / Quem sente ciúmes não ama, possui / Paredes comuns têm ouvidos / mas as de vidro têm olhos / O sol surgiu depois da chuva / pra secar meu coração”.
Sou besta com morte. No fundo, algumas mortes acho-as bestas. Para mim o Sodrezinho não morreu. Está apenas caminhando. Por um caminho pelo qual talvez eu nunca mais o encontre para oferecer-lhe carona. Mas, quem precisa de tv ou de carro, se deixa pegadas de versos, se caminha na imaginação, se vive de poesia – e na poesia?!

Kleber Lima é jornalista em Mato Grosso
[email protected].

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