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Por que precisamos ser contra o trabalho infantil?

Caiubi Kuhn, Professor na Faculdade de Engenharia (UFMT), geólogo, especialista em Gestão Pública (UFMT), mestre em Geociências
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Nos últimos anos temos vistos setores da sociedade realizando um esforço para normalizar o trabalho infantil, e até cometem o crime de chamar de empreendedor uma criança que precisa trabalhar para sobreviver. Mas quem defende essa linha no mínimo ignora as estatísticas brasileiras, que demonstram que o trabalho infantil está relacionado com condições sociais precárias, com abandono escolar e com a consequente condenação de parte dos nossos jovens a um cenário de vida com oportunidades ruins e poucas condições de desenvolvimento humano. Para piorar, essas pessoas que defendem a normalização do trabalho infantil parecem se esquecer dos mais de 14 milhões de desempregados e dos mais de 6 milhões de desalentados, que são pessoas que já desistiram de procurar emprego devido as poucas oportunidades existentes.

Conforme a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD) produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2016, o nível de ocupação de 05 a 13 anos é de 0,7%, de 14 a 17 anos de 11,9%. O trabalho infantil predomina entre crianças do sexo masculino, que representam 65,3%, quanto as meninas representam 34,7%.

Na faixa etária de 5 a 13 anos a principal atividade é a agricultura, com 47,6%, seguido por comercio e reparação com 21,4% e serviços domésticos com 6,3%, outras atividades representam 24,7%. Na faixa etária de 14 a 17 anos 27,2% dos adolescentes trabalham no comércio e reparação, 21,4% na agricultura, 6,4% em serviços domésticos e 44,9% em outras atividades.
O local de trabalho das crianças também muda conforme a faixa etária, na idade de idade de 5 a 13 anos, 73% das crianças são trabalhadores auxiliar da família, 19,6% trabalham como empregado, 7,4% trabalham por conta própria ou empregador, já para faixa etária de 14 a 17 anos, predomina o trabalho como empregado que representa 66% do total de ocupados, seguido por trabalho familiar auxiliar com 21,5% e por conta própria ou empregador representando 12,5%.

Já na PNAD contínua de 2019, que abordou sobre educação apresentou números sobre os motivos para o abandono escolar. Dentre os que abandonaram a escola, 50% alegaram que abandonaram a escola por precisarem trabalhar, 33% alegaram não ter interesse. Entre as mulheres 24,1% alegaram não ter interesse na escola, 23,8% abandonaram os estudos devido a gravidez ou trabalho e 11,5% por precisarem fazer afazeres domésticos.

Esses números ajudam a explicar um problema crônico do Brasil que é o abandono escolar ainda no ensino fundamental ou antes de completar o ensino médio. No Brasil a taxa de escolarização na faixa etária de 6 aos 14 anos é de 89,2%, na faixa de 15 a 17 anos ela cai para 32,4% e entre 18 e 24 anos reduz para 4,5%. Esse fator ajuda explicar o porquê o país até hoje não possui 50% da população de mais de 25 anos com o ensino médio completo. Isso significa que mais da metade da população brasileira não pode se quer prestar o vestibular ou fazer um concurso público para vagas que exijam o ensino médio, nível técnico ou superior.

E onde esse problema começa? Sim, é no trabalho infantil, na precariedade das políticas públicas de proteção social e na existência de poucas políticas de transição escola trabalho para a faixa etária de 11 a 18 anos, onde o problema de evasão escolar é maior.

Apresento esses dados com tristeza e indignação. E ao mesmo tempo me lembro da minha própria história de vida. Comecei a trabalhar ainda criança. Na verdade, nem sequer consigo definir a idade exata de tão jovem que era. Mas me lembro que entre as muitas atividades de desenvolvi, está a venda artesanatos, coleta esterco, venda de jornais, picolé, frutas, pão caseira, e é claro, carpir quintal, cuidar de jardins entre outros serviços braçais.

Faço parte de um pequeno grupo que conseguiu romper a tendência normal das estatísticas e segui nos estudos. Porém esse não é o caminho comum da maioria das crianças e jovens que precisam trabalhar e estudar. Para esse público, o maior desafio e conciliar o tempo e o cansaço que vem da dupla jornada. Como se não bastasse, ao contrário do jargão dos empreendedores que diz “trabalhe enquanto eles dormem”, as crianças e jovens que vivem a realidade do trabalho infantil, ainda precisam conviver com o fato que sempre terão que fazer as suas 24 horas renderem mais que as 24 horas dos jovens de classe média e da elite brasileira.

Sim, enquanto as crianças pobres trabalham, as crianças ricas fazem inglês, estudam ciências, fazem artes, danças e muitas outras atividades que auxiliaram no seu desenvolvimento pessoal e profissional. Caso uma dessas crianças pobres consiga, apesar de todas as dificuldades, avançar nos estudos, ela lidará por muito tempo com diferenças de oportunidades relacionadas as atividades que são realizadas no contraturno escolar.

Defender políticas corretas de transição escola trabalho, para a faixa etária entre 11 e 18 anos, que incluam o fomento à educação e o suporte social e econômico, é o único caminho para asseguramos oportunidades para os jovens filhos dos mais pobres. O governo federal deve priorizar investimentos nestas crianças, pois com certeza entre elas podem existir muitos futuros professores, cientistas, médicos, advogados e quem sabe até futuros ganhadores de prêmios Nobel.
Ao garantir a educação dos filhos dos mais pobres, se pode romper ciclos e possibilitar construir novas perspectivas de futuro. Em nossa sociedade o filho dos mais ricos recebe de forma hereditária a herança, mas não podemos normalizar e nem aceitar que a pobreza seja hereditária.

Trabalho infantil não! Educação e proteção social sim!

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