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Ovelha negra

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Noite dessas, jantei com um casal de escritores. A mulher contou que as filhas, quando adolescentes, morriam de vergonha desta atividade dos pais. Era sugerirem presentear com um de seus livros amigos aniversariantes para elas ameaçarem fugir de casa.

Exageros à parte, não são os únicos, outros contam histórias parecidas. Eu mesmo tenho as minhas.

Contei-lhes da visita que fiz a uma escola para falar sobre um dos livros e uma senhora, mãe, perguntou-me o que eu fazia para ganhar a vida, “além de escrever essas bobaginhas”. Também quase não consegui me registrar num hotel onde havia um encontro de escritores, ao identificar minha profissão como tal.

Os contratempos não pararam por aí e, como este casal de escritores, os meus começam na família. Deve ser porque escritor não faz faculdade…

Meus pais enchem a boca para falar aos conhecidos que sou jornalista, embora eu nunca tenha dado um furo de reportagem; em contrapartida, ganhei vários prêmios literários, mas disso eles não falam.

Meu irmão, nem para conquistar uma namorada, jamais comprou um livro meu. Aos amigos e conhecidos, repete meus pais, diz que sou jornalista e trabalho em São Paulo – como se ser escritor fosse uma maldição, uma peste que maculasse a honra da família.

De outros parentes prefiro nem falar. Apenas meu primo Jorge é leitor – inclusive, de meus livros. O resto me trata como uma ovelha negra e a Literatura como perda de tempo e dinheiro. Então, não vou perder tempo com eles, e dinheiro tenho pouco.

Quando protagonizo noite de autógrafos (faz tempo que não), as editoras enviam os convites e eu disparo e-mails e telefonemas, mas nem 20% dos convidados dão o ar da graça. Alguns chegam a ir, mas reclamam da fila, de repente lembram-se de um compromisso inadiável, deixam um abraço e vão embora – sem o principal: comprar um exemplar.

Também entre eles, amigos e conhecidos, conheço poucos que presentearam alguém com algum livro meu. E meus livros não são exatamente porcarias para serem atiradas longe, até ganharam prêmios.

Em 2000, dediquei um livro para minha afilhada, então com doze anos. Pense comigo, leitor: quantas meninas desta idade têm um livro dedicado só para elas? Minha afilhada tem uma agenda anual repleta de aniversários, mas nenhum de seus amigos aniversariantes sequer imagina que seu (dela) padrinho às vezes fatura uns poucos trocados com direitos autorais.

Acredito até que nem sua escola saiba, escolas adoram convidar autores para conversar com a pimpolhada. Ganham prestígio no “esforço para fomentar a leitura” junto aos pais pagantes e não lhes custa nada, mas a escola de minha afilhada nunca me convidou.

Culpa de minha afilhada? Óbvio que não.

Isso tudo é o reflexo de uma mentalidade retrógrada e preguiçosa, contrária ao pensamento questionador, que trata o livro como um objeto que apenas ocupa espaço e junta pó e enxerga no escritor um elemento estranho, esquisito mesmo, até perigoso à “ordem” e pouco afeito ao trabalho convencional, remunerado mensalmente e que multiplica dinheiros.

Diorindo Lopes Júnior é jornalista e autor de Cesta de 3 e O Sol em Capricórnio.

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