Alguns lógicos dizem que os juízos singulares têm valor de universais. Somos seres humanos, e nenhum outro ser humano estimo estranho. Na verdade, não se trata de mim apenas: se trata de todos e de cada um.
Como homens: nascemos, nos alegramos, sofremos, morremos – sobretudo morremos.
Somos o Homo Sapiens de Linneo, Homo Ludens de Huizinga, Homo Faber de Frisch, o Contratante Social de Rosseau, a Virada de Kant, o Homem Líquido de Baumam… e somos também os encarcerados do mundo.
O ser humano concreto, de carne e osso – apenas – que se encontra atrás das grades não é o único encarcerado; nas visitas à cadeia, apareceu-me isto: cada homem está fechado em uma prisão que não se vê.
Aquele mal estar da civilização, aquela angústia… estamos fechados em nós mesmos, aprisionados no nosso egoísmo e narcisismo… o “outro” não importa. Quiçá o delito seja a arrebentação súbita, violenta e ruidosa do egoísmo.
O ser humano que se vê e ouve não nos é alheio. Embora tenhamos o vacilo de classificar, dividir e alhear – quase sempre com rudeza – nós somos muito misturados. E não dá nitidamente pra delimitar os homens bons e maus. A física, a ciência têm mostrado que os nossos olhos não veem e os nossos ouvidos não ouvem mais que um breve segmento de uma série contínua de grandezas mensuráveis de cores, sons – e outras coisas.
Lamentavelmente, a nossa fraca visão não nos deixa perceber um germe, uma raiz, uma semente do bem naqueles que são denominados maus, ou do mal naqueles que são qualificados como bons.
Mia Couto, em seus escritos em Moçambique, percebeu que: “dizemos que somos tolerantes com as diferenças. Mas ser-se tolerante é ainda insuficiente. É preciso aceitar que a maior parte das diferenças foi inventada e que o Outro (o outro sexo, a outra raça, a outra etnia) existe sempre dentro de nós.”
A todos falta algo, uns sentem e outros não. Sei que despertei e que ainda durmo dizia Pessoa; mas, ainda hoje, avaliamos os outros pela cor da sua pele, pela bens materiais que possui, pela classe social que está. Em lugar de discutir ideias, atacamos pessoas; em lugar de procurar soluções, procuramos modos de esconder os problemas. E mais, somos seletivamente surdos: escutamos os que nos obedecem, escutamos o que nos agrada ouvir; ah! adoramos ouvir elogios, divulgamos nossas virtudes para isso (nos esquecendo da advertência de La Rochefoucauld: “as nossas virtudes, a maior parte das vezes, não passam de vícios disfarçados”).
Somos todos ouvidos ao que não nos ofende. Tudo o resto não existe, tudo o resto é mentira, tudo o resto é um absurdo, tudo o resto é proferido pelos “outros”… é que narciso acha feio o que não é espelho.
Podem me chamar de romântico. É preciso ser pequeno para compreender que talvez a origem dos delitos que nos aprisionam seja a falta de amor. Disse Carnelutti: “os sábios procuram a origem do delito no cérebro; os pequenos não esquecem que mesmo como disse Cristo, os homicídios, os furtos, as violências, as falsificações vêm do coração. E ao coração do delinquente, que para saná-lo, deveremos chegar. Não há outra via para chegar, senão aquela do amor. A falta de amor não se preenche senão com amor. Amor com amor se paga. A cura da qual o encarcerado preciso é uma cura de amor”.
Ora, a nossa preocupação não pode ser puramente racional, tem que ser afetiva. Em última análise, precisamos amar para não adoecer, disse Freud, e digo eu.
Emanuel Filartiga Escalante Ribeiro – promotor de justiça