Recentemente, o prefeito de Rosário Oeste (128 km ao Norte de Cuiabá), Zeno Gonçalves (PPS), ganhou destaque no espaço nobre do noticiário político ao assumir, de público, o compromisso de sancionar, tão logo estivesse disponível, um projeto de lei nascido e aprovado na Câmara Municipal e que põe fim à prática do nepotismo nas três esferas de Poder nesse Município.
O prefeito foi além do seu compromisso de sancionar a lei, na medida em que, conforme o noticiário, ele teria avisado aos dois únicos parentes que mantém no Executivo – a mulher, que é secretária de Ação Social, e o irmão, secretário de Obras – que terão que deixar a Prefeitura. “É uma medida correta, mas tem que ser adotada em todos os níveis de Poder – União, Estados e Municípios”, afirmou, deixando implícita uma mensagem às instituições que vivem uma crise de identidade política e carecem de medidas de impacto para recuperar a credibilidade perante a população.
Na onda de um processo de moralização que, acredita-se, pode ganhar corpo a partir dos Legislativos Municipais, o vereador Valtenir Pereira (PSB) apresentou um projeto de lei propondo o fim do nepotismo na Prefeitura e na Câmara de Cuiabá. A proposta proíbe a nomeação de parentes de até 3º grau para cargos comissionados ou para atender necessidade temporária do Executivo e do Legislativo, além de proibir contratos entre os Poderes e empresas que tenham entre seus membros familiares dos que ocupam função pública.
Mais: o projeto barra a nomeação, designação e contratação de qualquer pessoa que tenha parentesco com o prefeito, vice-prefeito, secretários e adjuntos, presidente da Câmara e demais vereadores, presidentes e diretores de autarquias, fundações e empresas públicas. A medida, se aprovada, atinge todos os órgãos da administração indireta e aqueles que ocupam cargos de direção e de assessoramento.
O vereador quer proibir, ainda, o clássico “jogo de compadres”, ou seja, a troca de nomeações e contratações entre os Poderes, a contratação ou nomeação, pela Prefeitura, de parentes de vereadores, e pela Câmara, de parentes das pessoas do Executivo. Pelo projeto, fica proibida também, em qualquer caso, com ou sem licitação, a contratação e manutenção de contrato de prestação de serviço com empresa que tenha entre seus empregados familiares de membros dos dois Poderes.
Confesso nunca ter visto projeto tão amplo e tão profundo na longa e difícil batalha contra esse escândalo que, ao longo do tempo, na história do Serviço Público brasileiro, só desgasta a imagem dos Poderes, principalmente do Judiciário. É público e notório que a prática do nepotismo, apesar de proibida pela Constituição e por lei aprovada pelo Congresso, resiste no Brasil em função da força do corporativismo que grassa no Legislativo e no Judiciário.
É contra esse corporativismo, aliás, que o vereador Valtenir terá que juntar todas as suas forças, caso queira realmente dar uma contribuição para que o serviço público prestado pela Câmara Municipal de Cuiabá seja moralizado. Curiosamente, o próprio vereador, em entrevistas no decorrer da semana, reconheceu que terá problemas, a começar pela dificuldade em fazer o projeto tramitar, até porque, pela profundidade da proposta e pelo fato de que o objetivo é pôr fim a uma imoralidade, extinguindo centenas de sinecuras que só contribuem para o aumento de patrimônios familiares, a matéria deve ser solenemente ignorada pela maioria dos seus próprios pares.
Na verdade, essa situação não configura nenhuma novidade em se tratando da Câmara Municipal. Já se disse que o Legislativo cuiabano costuma aparecer no cenário político local muito mais pelo que faz em causa própria (ou seja, dos seus integrantes) do que propriamente em benefício da coletividade. Se se mantém alheia ao caos que se estabeleceu no sistema de transporte coletivo de Cuiabá e aceita passivamente as ordens do prefeito (está aí o caso do aumento em até 100% do IPTU), o que esperar da Casa diante de uma proposta, como a do vereador do PSB, que busca a moralização dos costumes?
A oposição ao prefeito na Câmara tem esboçado alguma reação em relação ao polêmico aumento do IPTU, mas nada faz em defesa dos usuários de transporte coletivo que, por sinal, deverão ser “premiados” com um aumento significativo da tarifa. De um modo geral, parece não haver o menor interesse em que um projeto como o que acaba com o nepotismo seja sequer discutido.
Esse comportamento, não há como negar, justifica o desânimo, a desconfiança, o descrédito do povo em relação a um Poder (salvo as raríssimas exceções, é oportuno salientar) que não tem nenhum tipo de comprometimento com a seriedade e a ética na gestão pública. Se houvesse interesse pelo restabelecimento da moralidade, o prefeito Wilson Santos (PSDB), de seu lado, deveria ser o primeiro a incentivar a discussão e a aprovação do projeto. Mas, o exemplo de interesse pela seriedade vem do pequeno Município de Rosário Oeste. Como se vê, nem tudo está perdido.
Antonio de Souza é jornalista, é consultor de Comunicação da Oficina do Texto – Marketing e Assessoria de Imprensa.