Ultimamente, ao ver a nossa Cuiabá crescer nas estatísticas de violência, de modo assustador, sinto saudades da enigmática Índia, da vibração de paz tão presente naquele país e de tudo que lá vivenciei, especialmente, em termos espirituais.
Na Índia, somos lembrados, constantemente, de que o ser humano tem sua raiz divina. Uma lembrança que se dá desde a forma de cumprimento Namastê – no seu significado
mais profundo, uma reverência ao Deus existente em cada pessoa- até os inúmeros pequenos e grandes templos religiosos nas cidades e no campo, as famosas escolas espirituais espalhadas em várias partes do país – os ashrams – e a presença de Seres que vivem em estado de consciência plena – os Despertos.
Algo que me chamava atenção nos templos hindus era a expressão das pessoas, inclusive a dos jovens: de olhos fechados, em oração e meditação. Impressionava-me a profundidade do silêncio que via refletida em suas faces.
Desde cedo, os indianos aprendem a se interiorizar e a conhecer o silêncio que existe dentro de si mesmos. Em suas casas, há uma parte que é destinada ao altar religioso. Aliás, de acordo com a tradição desse povo, a casa em que moramos é um templo de Deus. Carl Gustav Jung, em Ego e Arquétipo, afirma:
O homem necessita de uma vida simbólica… Mas não temos vida simbólica. Acaso vocês dispõem de um canto em algum lugar de suas casas onde realizam ritos, como acontece na Índia? Mesmo as casas mais simples daquele país têm pelo menos um canto fechado por uma cortina no qual os membros da família podem viver a vida simbólica, podem fazer seus novos votos ou meditar. Nós não temos isso. Não temos tempo, nem lugar. Só a vida simbólica pode exprimir a necessidade do espírito – a necessidade diária do espírito, não se esqueçam! E como não dispõem disso, as pessoas jamais podem libertar-se desse moinho – dessa vida angustiante, esmagadora e banal em que as pessoas são ‘nada senão".
Diferente do que acontece no Ocidente, os idosos recebem um tratamento especial. São cumprimentados, inclusive, com a reverência dispensada a um mestre espiritual. São amparados e cuidados pela família.
Os indianos, geralmente, são muito tranquilos. Até os animais lá parecem ser mais relaxados e foi interessante constatar isso. Definitivamente, viajar para o Oriente é muito mais do que fazer turismo. Aliás, essa é a menor parte do roteiro… O campo de experiência que se abre àqueles que lá chegam é bastante diversificado. A história milenar oriental ligada à busca da interioridade e da espiritualidade parece estar impregnada na atmosfera e influencia os acontecimentos que vivenciamos ao pisarmos aquela terra.
Sua culinária é também uma arte à parte. Como é rica e diversificada! São tantos sabores e aromas! Parece ter sido criada especialmente para ativar e despertar o nosso paladar e também o olfato, sentidos que trazem a mente para dentro do corpo.
O trânsito, à primeira vista, parece uma loucura total. Porém, percebe-se que há uma ordem dentro daquele caos aparente. Os motoristas, de forma geral, respeitam o tempo um do outro, independentemente do tipo de veículo, do tamanho e do status de cada um.
Há muitos mendigos nas ruas, mas eles não nos agridem. São insistentes, porém totalmente pacíficos. Ao observar certos fatos, constatei que nem sempre um mendigo é um miserável internamente. E, às vezes, uma pessoa rica financeiramente vive em estado de extrema miséria emocional e espiritual.
Pelas ruas, podemos caminhar sem qualquer estresse com violência. Para nós, brasileiros, que estamos sendo obrigados a conviver com a assustadora escalada da violência como algo comum em nosso país, a vida banalizada de forma brutal, a ponto de seres humanos serem mortos por qualquer quantia miserável de dinheiro, ao ver um povo tão pacífico quanto os indianos, é impossível não comparar com a nossa situação, que leva a população a se sentir amedrontada, até dentro de suas próprias casas.
A Índia nos surpreende com todos os seus opostos, com as luzes de todos os seus saberes, com todos os seus sons, cores, sabores e aromas. Tudo se mescla naquela terra misteriosa e cheia de magnetismo: o moderno e o antigo, a pobreza e a opulência, o progresso e o atraso, os mitos e a realidade, o científico e as crenças, a sabedoria e a ignorância, o caos e a ordem, como um rico mosaico de cores e formas diferentes, dentro de uma ordem que não conseguimos decifrar com uma visão comum. E, em torno do divino, os opostos se unem em profunda reverência. Ao finalizar este texto, escuto os sons das buzinas nas cidades indianas e um dos cânticos sagrados da Índia:
Om Asato Maa Sad-gamaya
Tamaso Maa Jyotir Gamaya
Mrityor Maa Amritam Gamaya
Om Shantih Shantih Shantih
(tradução: Conduza-me do irreal para o real, conduza-me da escuridão para a luz, conduza-me da morte para a imortalidade. Paz, Paz, Paz).
Namastê!
Om Shantih Shantih Shantih.
Enildes Corrêa é administradora, terapeuta corporal Ayurveda e professora de Yoga com formação e especialização na Índia. Autora do livro Vida em Palavras. Ministra palestras e seminários vivenciais a organizações governamentais e privadas na área de Humanização da Convivência e Qualidade de Vida. E-mail: [email protected]