Há muitos dias num só dia. Há muito do chão no andar.
A menininha Maria deita e olha bem de pertinho o chão. Faz do olho dela uma lupazinha, chega até a colocar a boca, como se soubesse que ali está o escondido, o sagrado, o mitológico – ela sabe.
O chão é lugar original das coisas invisíveis. Traz algo de tradicional, de primitivo, de primordial. E a gente sempre olhando as estrelas – elas têm sua beleza também.
O chão parece mais de antes do que de depois, talvez por isso Maria o olhe tanto.
Ocorre que, como diria Wittgenstein, algo de metafísico deixa se ver ou mostrar nesse reencontro do chão e a menininha – de algum jeito eles já se conheciam.
E por aí só se fala em inteligência artificial, só se fala em aumento de salário, em ser “alguém na vida” e em ter “sucesso”. Quero dizer dessas coisas que se contemplam, que diante delas as pessoas se vendem, essas coisas que por fora brilham, por dentro são deploráveis. Por que não buscamos algo para sentir não para mostrar?
Há muita gente aplaudindo o vazio e o controle sobre a vida – ilusório.
Na realidade existe uma luta. Uma luta entre mundos de que falou, por Demian, Hesse. Percebemos que o “mundo permitido” era apenas a metade do mundo e trataram de ocultar a outra metade, como fazem alguns religiosos, alguns professores, algumas autoridades, alguns governantes e alguns pais. Jamais conseguirão! Enquanto houver chão e as crianças, jamais conseguirão!
O mundo tem cor, o mundo tem cheiro, o mundo faz um monte de som diferente. O mundo é bom de pegar, de deitar e olhar com a lupazinha do olho. É fundamental, criador e originário, que vivamos isso. Que sintamos isso… essas repercussões internas.
Coisas como o chão e a menininha devem animar o ser por entre as rudezas da cidade e “as inóspitas bocas devoradoras da cidade”. Nem Maria nem o chão esqueceram o rastro que distancia a pessoa de si mesma e a estagna. Há tudo em nosso nada, sempre haverá. Essa história é para criar reservas de entusiasmo que nos ajudam a acreditar no mundo, a criar o nosso mundo.