O atropelamento coletivo ocorrido recentemente não se justifica socialmente, muito menos psicologicamente e, menos ainda juridicamente. E, só pode ser fruto de desequilíbrio de seu autor, como também não há justificar legítima defesa.
Os indícios revelam uma prévia animosidade que deveria ser contida para evitar o ocorrido. Estas e outras questões do fatídico deverão ser resolvidas no decorrer e no final do processo que já teve início. No entanto, reflexões devem, e muitas, ser feitas diante da intensidade da violência contida no fato. Esta não deverá ser a última. Muitos outros fatos desta natureza ainda ocorrerão, sem ser agourento, mas previsível, em razão de uma complexa problemática existente nos trânsitos das diversas cidades brasileiras. Estas, retrógradas em planejamento e mobilidade urbanos. E ainda mais, inadaptadas ao avanço da tecnologia automotora e ciclística que não se compatibilizam com a pressa que, dado o crescente congestionamento de convivência acabam se tornando violentas e intolerantes.
Já passou da hora de se implantar sistemas próprios e exclusivos dos transportes alternativos. Os conflitos têm ocorrido nas vias públicas pela impossibilidade da convivência pacífica dos tipos diferentes de transportes e de suas finalidades. Trabalho, lazer e esporte não podem conviver no stress das grandes e médias cidades, e muito menos nas pequenas, que são formas e instrumentos de educar para crescer.
E, toda questão desta natureza está inserida no contexto de políticas públicas mal conduzidas. A tecnologia automotora no passado recente suportava controles de velocidades eficientes e que continham a sanha dos incontrolados. Atualmente, quebra molas, lombadas eletrônicas, semáforos, câmeras e leis de trânsito não mais seguram as máquinas voadoras, o stress, a pressa e muito menos a intolerância. E, apelar para respeito e solidariedade tornou-se regra ineficaz de um passado em que se respeitavam pessoas, crianças, idosos, cadeirantes e mulheres grávidas. A lei tornou-se inoperante para conter o desrespeito, e até o policial ou o segurança de um shopping recolhe-se diante de um "sabe com quem está falando?".
Estas estórias são antigas e estão transmutando-se em história triste de um povo brasileiro que não cultua sua tradição, nem evolui com respeito à própria vida. Este mesmo intolerante gaúcho comprometeu a sua e manchou uma Capital (Porto Alegre) com este seu comportamento anti-social.
Onde está a origem desta incongruência? Na própria convivência humana que está contemporaneamente exigindo soluções de políticas públicas que não mais se enquadram no conservadorismo dos projetos. Se a população cresce, a solução é construir mais vias públicas, mais habitação, mais isto e aquilo. Nesta projeção de futuro as políticas públicas esquecem da qualidade de vida, pois a pressa é acompanhar a dinâmica do crescimento e surge a tolerância e a insegurança, assim como, o cotidiano com todas as incongruências. A pressa da obra conduz à fraqueza dos resultados. Estradas que foram construídas para a safra passada não mais atendem a safra de hoje e tudo é feito no provisório "politiqueiro" e na fraqueza do fazer sem planejar e sem pensar no cidadão.
Não há mais aceitar a convivência das bicicletas com os automóveis, muito menos as motos com os automóveis e caminhões. Absurdo se "tolerar" tratores disputando espaço com carros frágeis e ameaçando vidas com suas caçambas. Sem falar nas calçadas inadequadas ao caminhar ou ao correr.
A contemporaneidade está emergencialmente exigindo vias próprias como as motovias, onde só as motos deveriam trafegar, sem disputar espaços com automóveis gerando intolerância e agressões. Muitos ciclistas se acham no direito de circular na contramão, correndo riscos, e atravessando ruas sobre as faixas de pedestres. Os desatentos se assustam embora acreditem na segurança, que teoricamente as faixas representariam. E onde estão, também, as ciclovias? E, os locais próprios de lazer e esporte, suportam as bicicletas ou disputam espaço com os pedestres ameaçados?
Já passa da hora de planejarmos novas soluções, pois as tradicionais de há muito já deram sinais de esgotamento, só fazendo aumentar, ainda mais, a incongruência na convivência. E, isto não é construir o futuro, mas sim, matar o presente.
Ilson Sanches é advogado, presidente da Comissão de Defesa da Concorrência da OAB/MT e professor universitário
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