É comum ouvirmos que o Brasil e os brasileiros têm em seu DNA a vocação para o desenvolvimento e que tanto o governo quanto a sociedade estão empenhados para que isto aconteça. Só que o discurso muitas vezes fica longe da realidade. Nada melhor para ilustrar este ponto do que a pavimentação da rodovia Cuiabá-Santarém.
Esta estrada, a BR 163, foi construída nos anos setenta e tem cerca de 1700 km de extensão, ligando Cuiabá a Santarém, às margens do rio Amazonas. O trecho que vai de Cuiabá até a divisa com o Pará, cerca de 800km, já se encontra pavimentado. A pavimentação do trecho restante, que já constava do programa Avança Brasil do governo passado, deveria ter ocorrido há anos. Por pressão dos ambientalistas o projeto foi interrompido e a novela se arrasta, tudo indicando que tão cedo ele não irá sair do papel.
Alega-se que a ocupação ao longo da BR 163 está sendo feita de forma desordenada, já tendo tido impactos deletérios na população indígena (estimada em cerca de 200 índios Paraná que habitavam na região), no meio ambiente e na população local, que seria expulsa de suas terras pela especulação imobiliária resultante do asfaltamento. Para que o projeto fosse executado seria preciso que todos estes fatores fossem devidamente estudados e equacionados, para que o processo pudesse ser de desenvolvimento ordenado e não predatório.
Antes de analisarmos este argumento, convém examinarmos os benefícios econômicos da pavimentação da BR 163. Estes são altos e evidentes. O produtor de soja na região de SINOP no Mato Grosso recebe hoje cerca de 140 dólares por tonelada por seu produto. O custo de transporte da soja via Ferronorte, sem considerar as tarifas portuárias é de 80 dólares por tonelada, ou seja, 57% do preço pago ao produtor. A pavimentação da estrada permitiria que a soja pudesse ser escoada até Santarém (ou até Mirituba, a uns 170 km ao sul) por 60 dólares a tonelada, reduzindo-se o custo de transporte em 25%. Como a produção da região de SINOP é de 8 milhões de toneladas, isto representaria um ganho econômico direto de 160 milhões de dólares por ano. Com o custo da pavimentação estimado, com folga, em 400 milhões de dólares, às condições atuais e utilizando-se uma taxa de desconto, tudo incluído, de 12% ao ano, somente com estes benefícios diretos o projeto se pagaria em três anos e meio.
Mas os benefícios da pavimentação não param aí. Esta viabilizaria a exploração de soja no Pará que, mesmo com todos os cuidados ambientais, poderia repetir o fenômeno ocorrido no Mato Grosso, gerando enorme valor ao estado e ao país. Além disto, a estrada possibilitaria o escoamento mais rápido das mercadorias produzidas na Zona Franca de Manaus, com uma economia estimada em dez dias. Além da redução direta no custo de transporte, isto implicaria dez dias a menos de capital de giro para as empresas da região o que, às taxas de juros atuais, é muito significativo. Incorporando-se estes e outros benefícios adicionais, como o valor agregado de toda a atividade econômica, além da soja, que se viabilizaria na região, é evidente que a rentabilidade econômica para a sociedade da pavimentação da BR 163 é das maiores que se pode obter em projetos deste porte no Brasil. Em qualquer país cuja sociedade tivesse como foco o crescimento econômico, isto seria suficiente para se dar alta prioridade ao projeto. Já aqui no Brasil ele não sai do papel.
Qual a racionalidade dos contra-argumentos apresentados? Quanto à população indígena, por maiores que sejam os danos incorridos, estes são amplamente compensados pela extrema generosidade de nossos legisladores. O total de reservas indígenas já homologadas, para alguns poucos milhares de índios, soma 85 milhões de hectares, representando cerca de 10% do território nacional e uma área maior do que França e Inglaterra somadas. A propósito, a população remanescente de índios Paraná já foi transferida para a reserva de Xingu.
No que se refere à população local, o suposto dano, o de ela ser vítima da especulação imobiliária, é produto de um viés ideológico. Se as pessoas voluntariamente vendem suas terras para quem delas fará melhor uso, migrando para as cidades e auferindo no processo um ganho de capital, qual o dano? O problema está na cabeça de quem acha que é bonito e desejável que a população local continue na agricultura de subsistência, ignorando o progresso. Falta combinar com a própria.
E os danos ambientais? Não há desenvolvimento sem algum dano ambiental. Se na história da evolução humana as prioridades tivessem sido invertidas, como se quer tratar hoje o caso da Amazônia, a Europa seria uma imensa floresta, o Programa de Metas do governo JK não teria saído do papel e os paranaenses e gaúchos não teriam criado o enorme valor ao país em SINOP e Sorriso, motivo de orgulho para todos os brasileiros. É muito mais fácil controlar e, se for o caso, reverter, danos ambientais em uma área onde se tem infra-estrutura e onde a posse da terra está registrada e legitimada do que na situação atual, onde a grilagem e o desmatamento clandestino campeiam.
O sonho de desenvolvimento ordenado é sedutor, mas não encontra respaldo no mundo real. Não é assim que países e regiões se desenvolvem. Crescimento implica desequilíbrios, a convergência ao equilíbrio, tanto através do mercado quanto do governo, se dando ao longo do tempo. E a idéia de desenvolvimento sim, crescimento não, implicando que o segundo é uma mera acumulação de riqueza ao passo que o primeiro implica melhoria dos indicadores sociais, é uma frase de efeito, porém vazia, pois não existe o primeiro sem o segundo.
Querer ter padrões escandinavos de proteção ao meio ambiente é politicamente correto e faz com que se saia bem na foto. Tais padrões são compreensíveis e justificáveis em países que já atingiram elevado grau de renda e de indicadores sociais. Mas, em um país como o Brasil, o dano ambiental não pode ser encarado em termos absolutos, mas sim medido contra o benefício econômico da atividade que o causa. Caso contrário, receberemos os aplausos calorosos da mídia internacional, mas correremos grave risco de ficarmos sem energia, sem transporte e sem progresso.
Claudio L. S. Haddad é economista
*Transcrito do jornal Valor Econômico