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Dar-se conta

*Emanuel Filartiga Escalante Ribeiro é promotor de Justiça em Mato Grosso
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Aprendi que as palavras só servem se nos ajudam a ver as coisas melhor. Na verdade, a gente quase não vê as coisas como elas são. Ver é mais uma ação do mundo em nós do que o contrário. 

Sem contar a nossa dificuldade de fazer aparecer o invisível. De deixar pedaço para dúvida, para incerteza, intuição e, mais, para o mistério. Há mundos submersos, leitor atento, e o olhar mais difícil é o da gente na gente mesmo. 

Ocorre que para o lado de fora a gente não muda tanto, a mudança mesmo é por dentro, lá podemos mudar. 

Como você, amigo leitor, cria sentido para os seus dias? Como você se habita? Como cultiva essa casa, os olhos, as palavras, para que a alegria aumente? Guimarães Rosa disse que o que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e ainda mais alegre ainda no meio da tristeza. 

Já se deu conta de si? Dos vazios? As coisas da gente escapam à razão como a água por uma peneira. O que são essas coisas ao redor e o que é a gente no meio dessas coisas? À vida que somos lançados não vem pronta, e não estamos prontos. Nessa viagem a morada deve ser profunda, criando coragem pra se manter em pé e em paz. 

Ouvi de Sartre naquela sua famosa conferência, proferida em 1946, que o homem de início, não é nada. Só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. 

Você repara nas coisas, assunta a vida? A vida! A “nossa” vida, a de cada qual, é pura tarefa. Disse Ortega y Gasset que a vida dá muito que fazer. Não é senão essa tarefa que dá a cada um. O homem tem que se fazer a si mesmo, autofabricar-se. Para o homem, viver é, evidentemente e antes de qualquer coisa, esforçar-se em que tenha o que ainda não tem; isto é, ele, ele mesmo. 

O que você faz da sua vida? Quando pergunto isto não quero saber sua profissão ou se você obteve sucesso profissional, ou se é casado ou se tem filho. A pergunta não é tangível, senão intangível. O que você faz dentro de você? 

É isso: não é para quem de fora a vê, mas é para quem de dentro dela a vive. E mais, nós somos um gerúndio, não um particípio. Temos que fazer algo para continuar vivendo, dentro. Pois eu juro que a vida é bonita. 

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