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Carta para quem luta o mau combate

Glaucia Amaral é procuradora do Estado de Mato Grosso e presidente Conselho Estadual de Direitos da Mulher (CEDM)
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Sobre órgãos executivos de políticas públicas para mulheres

Cometerei um gesto de esperança: vou tratar de um tema de política pública importante com um pouco de rigor técnico, em oposição a bravatas que vem surgindo em redes sociais por conta de campanha política.

Por que é um gesto de esperança? Por que bravatas de rede social e mêmes infelizmente circulam melhor do que um artigo dialogando sobre o que de fato é necessário para gestão de interesse público. E mesmo assim é preciso insistir no respeito e na fé que as melhores soluções de gestão pública podem vencer debates.

Antes de adentrar neste mérito, devo repudiar o episódio nauseante ocorrido na manhã desta terça-feira (27), em Cuiabá, no qual um candidato a prefeito adentrou na Secretaria Municipal da Mulher e se utilizando de modus operandi já conhecido – com o celular gravando todo o espetáculo – afirmou que o local não passa de um “cabide de emprego” e, que em razão disso, “não serve para nada”.

É altamente indignante escutar uma pessoa que deveria pensar políticas públicas reduzir – a partir de uma opinião limitada típica de machistas, patriarcalistas e retrógrados – um órgão público criado exatamente para isso (gerir políticas públicas das mulheres) a um raso argumento politiqueiro, com fins eleitorais. Tudo isso desengatilha o sentimento de repúdio, mas também reforça a importância que nossa luta possui em defesa dos direitos das mulheres e no combate a essas posturas desqualificadas, que ora, só podem ser definidas como mero oportunismo ignóbil.

Não faço aqui defesa a nenhum governo, mas sim à luta pelos direitos de igualdade que há décadas reivindica a criação de órgãos executivos para gestão de políticas públicas para mulheres. A primeira razão decorre do fato de que tais políticas públicas são transversais a muitas pastas de governo, ou seja, elas atravessam saúde, educação, assistência social, geração de emprego e renda, habitação, segurança pública e agricultura, para falar de algumas.

Essas ações executivas, que se interseccionam em muitos pontos, ocorrem de maneira descoordenada.

Por exemplo, a secretaria de segurança pública seja municipal, federal ou estadual, precisa trabalhar em coordenação com a secretaria de saúde, igualmente nos mesmos níveis, a fim de colher dados como aumento de violência doméstica em pacientes de câncer de mama, ou subnotificação de casos de agressão, informações que podem chegar tanto pela porta da pasta de saúde, quanto pela porta da pasta de segurança pública.

Falar da interrupção do ciclo de violência, que leva ao feminicídio, é um exemplo singelo de interdisciplinaridade. Pode ocorrer pela assistência social (por meio de um cadastro no Bolsa Família), pela geração de emprego e renda, por um curso de qualificação, por um programa habitacional que providencie um novo lugar para morar, por um tratamento psicológico, ou tantas outras infinitas possibilidades que só conhece, sejamos francos, quem trabalha com a realidade dessas vítimas.

E aqui uma observação geral que nos ajuda não somente neste artigo, mas também para vida: não é possível conhecer sem estudar e nem vivenciar. Não é possível conhecer somente pela vontade de promover lacração em rede social. Que dirá quando se trata da vida de tantas pessoas.

Tratou-se de dois simples exemplos de intersecção entre pastas de governo quando se trata de direitos humanos das mulheres, tratarei de mais um que não se refere à violência, especificamente a geração de emprego e renda ou políticas públicas assistenciais como bolsa família, dirigidos especificamente a mulheres, e seu resultado comprovado, na elevação do IDH das regiões nas quais tais programas multidisciplinares, que transitam por secretarias como de educação, conseguem produzir.

Para a execução de políticas públicas específicas que estão soltas em diversas pastas de governo o próprio Governo Federal no Brasil já vem há mais de década contando com secretaria executiva das mulheres e agora no último governo, do último presidente eleito, com o Ministério.

Há entendimentos de gestão que consideram que dada à natureza e a magnitude das decisões administrativas a serem tomadas que em regra envolvem mais de uma pasta de governo, que o status do órgão executivo que coordena as políticas públicas para mulheres deve ser do maior grau de decisão na esfera daquele ente estatal evidente, abaixo do chefe do Poder Executivo, assim é que vemos ministérios e secretarias sendo instaladas, ou na impossibilidade ao menos no que os executivos.

Considerando a existência de um ministério em nosso país contar o tema é comezinho, ou seja, é de uma simplicidade de raciocínio atroz, de que um órgão executivo receberá recursos seja para o Estado seja para o município. Se precisasse de um único argumento por paupérrimo que fosse a obtenção de recursos federais para materialização de políticas públicas necessárias a população já seria suficiente. Mas é maior que isso, é maior que o óbvio.

Falemos de eficiência na administração pública, princípio expresso no texto do artigo 37 da Constituição da República. Um de seus principais elementos é a especialidade, ou seja, que tenhamos órgãos vocacionados à sua missão institucional. Mas ainda é maior que isso, e isso digo considerando o nível de respeito que possuo pelos cinco princípios da administração pública que estão no citado artigo.

O que pode ser maior que um princípio constitucional? A vida. A vida real da maioria da população, no caso, da população cuiabana. Acima usei a expressão direitos humanos das mulheres repito: uma secretaria executiva serve a função de trazer igualdade de condições a mulheres e homens na cidade de Cuiabá, serve à materialização de ações de governo que interfiram diretamente na realidade da maioria da população para que mulheres (que são essa maioria) possam trabalhar, estudar e ter sua integridade física e saúde respeitadas nesta cidade.

Se, diante dessas discussões, o mais importante é a vida, estou convencida de que na vida o mais importante é lutar o bom combate. O bom combate neste caso é pedir uma administração pública eficiente, que reconhece as necessidades de gestão, e caminha no sentido da modernidade, da igualdade, da geração de emprego, do fim da violência, da educação de qualidade, em resumo, de uma cidade próspera. Não a prosperidade enquanto precisamos trabalhar para dar as mesmas condições, a mais da metade da população.

Continuaremos no trabalho árduo de conscientizar os gestores da necessidade da existência do órgão executivo de políticas públicas para mulheres nas três esferas de governo: federal, estadual e municipal.

Diga-se, que esta é uma cidade em que a Câmara de Vereadores realizou uma CPI sobre feminicídio, coisa que, quem costuma saber notícias ainda que de passagem sobre atividade legislativa municipal, deve ter ficado sabendo. Isso demonstra que o feminicídio é um problema evidente na Capital mato-grossense e, com isso, é possível pressupor que um vereador – que em tese participa da atividade legislativa – deve também conhecer a necessidade e da urgência na implementação de políticas públicas na Capital voltadas para as mulheres.

Por isso, advertimos (e é advertência mesmo) aos que lutam o mau combate – o combate pelo atraso, desde que seja popular em rede sociais – que esta luta é preciosa, vem de décadas, e  não permitiremos a ninguém, sob título nenhum, com intenção nenhuma, com pretensão nenhuma, representando quem quer que seja, ou combatendo quem quer que seja, que os temas importantes para a defesa da mulher mato-grossense, virem bandeirola em campanha eleitoral.

Estamos batendo recordes de feminicídios, senhores! Recorde de câncer de mama! Tenham a hombridade de estudar sobre políticas públicas para mulheres, se são cegos para o problema, antes de lançar seus “vídeozinhos” na internet.

Repito: estejam advertidos de que políticas públicas, ou seus órgãos de execução, para mulheres não se tornarão chacrinha, em campanha eleitoral. Sob pena das consequências.

 

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