Quando se pergunta quantas línguas são faladas no Brasil, as respostas costumam ser, de imediato, "apenas uma língua: a portuguesa". Às vezes são citadas as línguas estrangeiras.
Mas é preciso lembrar que vivemos num país multilíngue e pluricultural. Atualmente são faladas cerca de 200 línguas, sendo 20 estrangeiras e 180 indígenas. Ainda assim, segundo Aryon Rodrigues (1993), possuímos apenas 15% das mais de 1.175 mil línguas que se calcula terem existido aqui em 1500, faladas por mais de seis milhões de indígenas de várias etnias.
No decorrer da história brasileira, o encontro dos não-índios com os indígenas foi desumano e exterminador. A ocupação e usurpação dos espaços de sobrevivência destes, a negação de suas línguas e massacre cultural permanecem até hoje, em forma de opressão, desprestígio e preconceito. Considerados por muitos como meros animais, seres preguiçosos e selvagens, os indígenas estão deixando seus hábitos culturais e, consequentemente, de passar suas línguas para as próximas gerações.
Trata-se de fenômeno que preocupa, pois a língua é muito mais do que um instrumento de comunicação. Ela é uma visão de mundo, um comportamento social e está ligada intimamente à vida, à cultura, à identidade e à história de um povo. Portanto, a morte de qualquer língua significa a perda de uma cultura inteira.
Continuamos negando a existência de povos, culturas e línguas, o que concorre para o seu exílio em sua própria pátria. E nós não somos capazes de repensar o nosso discurso e a nossa prática, pois culturas e línguas continuam desaparecendo pelos mesmos motivos quando do período de colonização do país.
Diante da forma como a sociedade se apresenta, resposta como a citada no início deste texto pode ser considerada até normal. Mas se trata de mais uma injustiça social, entre tantas, no que diz respeito aos povos indígenas, cometidas por uma grande maioria de não-índios. Mostra o descaso e o menosprezo pela língua falada por eles, o que os leva a permanecerem como personagens diferenciadas e/ou distantes no espaço, diante do mito de um país monolíngüe.
Toda língua é adequada ao povo que a utiliza; é um sistema completo que permite a uma comunidade exprimir o mundo físico e simbólico em que vive. Não existem sistemas gramaticais imperfeitos. Seria um contra-senso imaginar seres humanos com uma "meia-língua". Não existem línguas superiores e línguas inferiores, o que há é o desconhecimento do que seja uma língua. Na realidade, o que a sociedade faz é relacionar o valor de uma língua com o poder e a autoridade que o povo que a fala tem nas relações econômicas e sociais.
Precisamos rever, portanto, como se dá a nossa interação com os povos indígenas, pois esse contato é um fator relevante na constituição e sobrevivência física, lingüística e cultural dessa gente, que deveria ser vista com mais atenção e respeito, pois uma sociedade que se diz democrática teria de ver com os mesmos olhos todos os filhos seus. Quando compreendermos que todo ser humano tem direito à vida digna com a garantia dos seus direitos, conseguiremos rever as negações e apagamentos da diversidade cultural e lingüística do Brasil.
Qual é o nosso posicionamento diante disso? Continuaremos negando povos, línguas? As línguas indígenas estão sendo apagadas e com elas leituras de mundo e culturas vão se esvaindo. Isso é terrivelmente doloroso, porque o mundo vai ficando menos colorido, menos diversificado, mais triste e homogêneo.
Ema Marta Dunck Cintra, Coordenação de Ensino Médio da Secretaria de Educação de Mato Grosso.