quinta-feira, 28/março/2024
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A questão do método  

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No percurso que fiz para tentar compreender, mesmo que de modo parcial, como o aluno precisava ser preparado para ser visto como cidadão, dentro da universidade e na sociedade quando do exercício profissional, observei que esta formação passa também pela formação dos professores.

Leituras, pesquisas bibliográficas, reflexões sobre muitos aspectos, conflitos e engodos da sociedade que julgo ser necessário discutir com os alunos, eram entendidos como desnecessários, irrelevantes ou inúteis, porque na verdade a maioria dos alunos da Universidade buscava apenas a capacitação legal para o exercício da profissão escolhida (?). Entendo que capacitação técnica sozinha, desarticulada de uma visão de mundo, fruto de observações pessoais, de leituras não didáticas e de outras atividades culturais, não eram suficientes para a formação do sujeito autônomo.

Quando falo na formação dos alunos, não quero minimamente entendê-la como “formatação” ou “enformação”, mas falo da distribuição de meios para que o aluno-sujeito possa por si mesmo discutir, perceber e racionalmente criticar o mundo, desviando-se de emocionalismos e ideologias que pretensamente se dispõem a elucidar e resolver questões para que ele se sinta como sujeito, participante da sociedade e muitas vezes, no papel de solucionador de mazelas e desvios, que, na verdade, não passam de situações habilmente construídas e elaboradas pelo poder de uma elite, que se utilizando de ideologias, coloca de antemão a solução a ser aceita.

Este é o papel da ideologia: não permitir que o sujeito perceba o que realmente é verdadeiro, levando-o a se sentir poderoso, capaz de resolver os problemas sociais, vendo se como membro ativo da sociedade e não apenas como um elemento a mais na “massa”.

Este perverso mecanismo também passa pelas universidades, nas quais, uma parcela dos professores, por falta de preparo ou de conhecimento, não consegue mostrar o mundo ao aluno. É necessário que os professores sejam capazes não só de ensinar, mas também de educar.

A filósofa Hannah Arendt assim expõe esta questão: “não se pode educar sem ao mesmo tempo ensinar; uma educação sem aprendizagem é vazia e, portanto degenera, com muita facilidade, em retórica moral e emocional. É muito fácil, porém ensinar sem educar, e pode-se aprender durante o dia todo sem por isso ser educado”.

Por exemplo, a docência no curso de Direito de uma IES pôs á mostra um problema que intuitivamente já me incomodava e que se materializava nos índices de reprovação nos exames da OAB no âmbito nacional: os alunos saem despreparados das universidades e com técnica insuficiente para atuar de modo diferenciador na sociedade. Embora este exame reflita uma visão parcial do problema, ele não pode ser desconsiderado.

Esta constatação me levou a outros questionamentos: Será que os alunos ao deixarem a universidade são cidadãos? Como entender cidadania? Legalmente? Filosoficamente? É possível educá-los para a cidadania mesmo dentro desta sociedade “totalmente administrada”, no sentido adorniano?

Se havia um problema e inúmeras questões quem gravitava em torno dele, precisava de um modo, de um caminho para explicar este problema; para pesquisar, observar e, para tanto, era necessário um método.

Imaginava que a escolha de um tipo de método deveria enquadrar toda a pesquisa e que esta seria uma decisão a priori. Uma das dificuldades que senti em relação ao método foi que além da impossibilidade da escolha prévia dele para encaixotar tudo o que fora pesquisado e refletido, toda a análise se tornasse uma opinião subjetiva e, portanto, inválida para a discussão acadêmica.

Simone Albuquerque da Rocha propõe que a finalidade do método é a de ser um fio condutor que demonstra para quem o pesquisador escreve e para quem se dirige a pesquisa: “o método deve referendar a intencionalidade da pesquisa em forma e conteúdo. Ele responde as indagações do pesquisador e se mostra ao leitor com a mesma postura com que se colocam as questões de fundo a serem investigadas”.

Se de um lado o pesquisador não deseja produzir um trabalho com características positivistas, por outro a “consciência intencional”, o acolhimento da subjetividade, não significa a denegação da veracidade, do não-estabelecimento de nexos nas relações que envolvem o objeto pesquisado de forma a interpretá-lo repensando significados que levem a conclusões que, se não são finais, são pelo menos um ponto de partida das ações propostas até então e também um desvelamento que pode ensejar novas buscas, novos questionamentos para melhor se compreender o fenômeno pesquisado.

Se a filosofia é um despertar para ver e mudar o mundo como acreditava Merleau Ponty e se, justamente, ela nasce do espanto e da admiração de homem frente ao mundo , como acreditavam os gregos, talvez caiba  a ela este papel de instigar a reflexão sobre os destinos de todos nós na contemporaneidade. Talvez caiba a ela, agora mais do que nunca, ser um elemento fundamental para sustentar a formação para a cidadania.

Entretanto, quando proponho a transformação através da formação não tenho a menor pretensão de sugerir uma forma arbitrária, na qual todos os alunos, perfeitamente aliciados, categorizados, sejam submetidos a uma lavagem cerebral que os transforme em autômatos; pelo contrário, porque entendo que é isso que ocorre hoje nesta sociedade “totalmente administrada”, ouso pensar que é só através da educação, de um modo de educar, que se pode propiciar alternativas para que o aluno-sujeito retire-se da condição de objeto e assuma o papel de cidadão, crítico, autônomo, solidário e responsável, que saiba ler e interpretar o mundo, fazendo escolhas que o levem a privilegiar o coletivo.

 

Amália Luiza De Sandro Nery Ferreira,
Mestranda em Educação da UFMT.

 

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