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A instabilidade com prazo de validade

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As experiências de viajante ensinaram-me a aliviar os sofrimentos causados pela distância e a saudade através da edição fria e racional dos desejos e projeções em relação aos lugares e pessoas que tanto prezo. O passado e suas impressões já não mais me afetavam, mas nem por isso me sentia mais sereno, em completo sossego. Pelo contrário, minha mente trabalhava em constante agitação, como numa busca incansável pelos porquês de minhas peculiares escolhas, dentre elas a decisão de abandonar a estabilidade que a rotina em minha terra natal me proporcionava, vivendo próximo às pessoas que me acolhiam e ofereciam todo o suporte material que, supostamente, agrada a qualquer ser humano como a alimentação, um abrigo seguro e um mínimo de diversão nos finais de semana ensolarados do cerrado goiano.

Na verdade, a instabilidade é a mola propulsora de toda essa tão desejada inquietação, pois, ao mesmo tempo em que me faz temer o devir, trazendo-me incertezas com os problemas imaginados, me garante o direito de escolha da melhor solução para os problemas vivenciados. É assim que trabalho todo o meu desejo pelas mudanças constantes de planos e horizontes. A busca pelo Novo como uma necessidade real de deslocamento – físico ou espiritual – tem me revelado um mundo de possibilidades que não me obriga a acertar, mas apenas a experimentar. Sigo consciente de que, somente na instabilidade, cheio de insegurança e medo, conseguirei aspirar a mim mesmo. Somente instável conseguirei buscar o Eu fora do cotidiano que, geralmente, ofusca o brilho individual do ser e o padroniza para o ‘bem’ social – deformando e o transformando em mais uma peça de uma engrenagem à beira do colapso que é o nosso próprio sistema falido com suas famílias desestruturadas e repletas de crianças mimadas, jovens dependentes e desacreditados e adultos-robôs sem tempo para lhes dar carinho e atenção devido à insana corrida por mais dinheiro para continuar mantendo tal sistema. Triste constatação que atormenta o ser rotineiro e tranqüiliza o viajante.

Viajo pelos mais diversos assustadores, sedutores e obscuros caminhos da realidade na qual escolhi viver, recriando, dessa forma, meu estado de espírito, minhas sensações, minha alma! Reinauguro -me diariamente, brincando com meu destino, como uma criança ao soltar um pião que gira feliz, rápido e desgovernado, pois sabe que um determinado momento sua força irá acabar e terá que parar em algum ponto – a morte. Sobre ela, nada tenho a acrescentar, afinal, pensar na morte é meditar sobre a vida! E o que é a vida senão uma passagem por este mundo; uma seqüência de estágios efêmeros que me faz lembrar a meta Hindu, a qual propõe a serenidade do ser que não deve se perturbar com os acontecimentos universais. Devemos ser imperturbáveis perante todas as coisas, inatingíveis aos sofrimentos, sempre lembrando da transitoriedade de todos os fenômenos e acontecimentos:
Se a posse de um mundo perdeste,
Não sofras por isso… não importa!
Se a posse de um mundo ganhaste,
Não te alegres por isso… não importa!
Passam as dores e os prazeres,
E tu pelo mundo passas… não importa!

Parei para vomitar algumas constatações no papel depois que, pela primeira vez em toda minha vida, percebi a real existência de um valor mais nobre, mais elevado: o amor. Não apenas o amor próprio, mas o verdadeiro amor que preza pelo sentimento alheio. Devemos sentir e viver o amor pelo outro no instante, sem antecipá-lo ou projetá-lo para um tempo futuro. Não existe garantia de futuro, mentalizemos nossa força no presente.
E, de repente, às vésperas de mais uma viagem, mais uma partida para um ponto longínquo deste Brasil, me questiono sobre o meu desapego à vida cotidiana, com todo o conforto proporcionado pela família e pelos amigos. Reflito sobre esta vida solta, como a de um lobo de estepe, pois, até mesmo este animal dito solitário preza pela sua cria e, sob o sol ardente, reflete sobre sua caminhada.
O mundo atual molda pessoas individualistas. Esta é a característica em voga na sociedade. Pessoas independentes, desprendidas, bem-sucedidas profissionalmente, mas, no entanto, pessoas extremamente carentes, sozinhas, vagando pelas ruas ou dentro de seus carros de luxo ou lendo romances cult sentadas num banco qualquer de uma praça.

Eu não sou diferente e tenho buscado conquistas e realizações profissionais. Mas, esta corrida tem se tornado cada vez mais fatigante e já desconheço o sentido e o valor da minha busca. Estou envelhecendo e vendo as coisas por um outro prisma. Isso me remete ao pensamento de uma admirável mulher que, angustiada, vira-se com um sorriso irônico e me diz: “O que mais me inquieta é esta marcha inexorável do tempo”. Ela se referia à evolução das pessoas, que mesmo conscientes do caminho da mesmice, (crescendo, amadurecendo, casando-se, separando-se ou não e, finalmente morrendo) tendem a repetir todo o processo de seus ancestrais como se não houvesse outra opção. Talvez, este pensamento faça sentido, pois eu – este ser viajante, da instabilidade e da busca pelo Novo – já começo a pensar numa grande esposa, em belos filhos e uma linda casa com jardim e cachorros, ou seja, a estabilidade!
Quanto à inquietação provocada pela tal “marcha inexorável do tempo”: bem, acredito na possibilidade de se viver de forma diferente e original. Ao invés do casamento de véu e grinalda com os sermões quase sempre desconexos da realidade contemporânea proferidos pela maioria das entidades religiosas, talvez opte pela volta ao mundo em cem dias, com direito a uma escala na base de camping do Monte Everest para contemplar, no silêncio revelador da montanha, algo realmente mágico e divino. A marcha inexorável do tempo é tão real quanto a possibilidade de se escrever uma história única de vida. A você leitor, lhe desejo uma boa viagem pelo caminho que mais lhe der prazer!

Rafael Castanheira é fotógrafo em Alta Floresta

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